De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; pelo contrário, nós fomos testemunhas oculares da sua majestade. 2 Pedro 1:16

sábado, 7 de setembro de 2013

O Politicamente Incorreto Novo Testamento

Muitos críticos das Escrituras afirmam que o Novo Testamento foi forjado pela Igreja para dar sustento aos seus caprichos. Seria isso verdade? Sabemos que todo o tipo de acusação é levantada contra as Escrituras - já tentaram destruir a Bíblia de todas as formas imagináveis -, mas, como sempre, esses ataques fracassam. Espero que o breve artigo que segue te seja útil - tire as suas próprias conclusões.
Resumo do que seguirá, em ordem: 1 - A Bíblia não foi forjada; 2 - Novo Testamento Politicamente Incorreto; A - Um Cristo de poucos amigos; - Um Jesus amigo dos pobres e fracos?; - Um Jesus amigo dos ricos e fortes?; - Um Jesus amigo dos homens?; - Um Jesus amigo das mulheres?; - Um Jesus amigo dos religiosos?; - Um Jesus amigo dos não-religiosos?; - Um Jesus amigo dos sãos e bravos?; - Um Jesus amigo dos loucos?; - Um Jesus amigo dos bonzinhos?; - Um Jesus amigo dos pecadores?; - Um Jesus amigo dos nacionalistas?; - Um Jesus amigo dos estrangeiros (romanos)?; - Um Jesus amigo dos judeus?; - Um Jesus amigo dos gregos?; - Um Jesus pacificador?; - De quem Cristo era amigo, afinal?; B - O Livro dos Excluídos; C - Mais que um bom e sábio homem; Conclusão.

1 - A Bíblia não foi forjada, pois não houve tempo para tal: antes de entrar no "Politicamente Incorreto", afirmo aqui que a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, não pode ter sido forjada, uma vez que temos fragmentos de manuscritos neotestamentários até do ano 50 d.C., menos de 20 anos depois da morte de Cristo, de modo que muitas das testemunhas oculares da vida, morte e ressurreição de Jesus ainda estavam vivas, impossibilitando o espalhar de mentiras como a forja das Escrituras. Além da antiguidade desses manuscritos, o número de manuscritos antigos da Bíblia derruba toda a argumentação de que o texto bíblico foi severamente deturpado ao longo da história, já que temos manuscritos numerosos que vão de 50 d.C., transpassam a Antiguidade, a Idade Média e a Era Moderna, alcançando os tempos contemporâneos, numa sucessão de cópias que atravessa toda a história humana dos últimos dois mil anos, podendo-se testar a originalidade da Palavra através dessa numerosa tradição (hoje temos tanto documentos do Século I, quanto do Século XV ou XXI, que podem ser comparados). Leia mais nos seguintes artigos desse blog: sobre a idade dos manuscritos bíblicos, sobre o número de manuscritos e sobre a preservação do texto.
2 - O politicamente incorreto Novo Testamento: o número de ofensas que o Novo Testamento desferia para a cultura de seu período o torna uma obra impossível de ter sido escrita como uma mentira interesseira - nenhuma classe social ou tipo humano está isento de críticas em suas linhas, de modo que ninguém, humanamente falando, acharia conveniente acreditar no Novo Testamento. É claro que o "politicamente aceitável" nos dias de Cristo era diferente do "politicamente correto" de nossos dias, não esqueça disso. 

A - Um Cristo de poucos amigos: Jesus, entendido nos Evangelhos, foi um cara nada interesseiro, de modo que estava disposto tanto a ajudar quanto a criticar todo o tipo de gente, sem distinção de classe, função, cultura. Havia (e há) uma mensagem a ser pregada, a Verdade, e nenhum interesse humano poderia colocar essa vital missão em risco. Se os apóstolos tivessem inventado Jesus e desejassem aceitação, não o teriam feito sob uma configuração tão inapropriada para todas as esferas sociais, não o teriam feito ideologicamente inaceitável para todo mundo. Cristo não poupa ninguém! Mas sabe amar a todos igualmente.
- Um Jesus amigo dos pobres e fracos? Sim, o próprio Jesus era pobre, escolheu ser assim, precisava ser assim, mas isso não significa que ele pretendeu ser um revolucionário pró-plebe, não! Sua revolução nunca foi política, mas, sim, espiritual. Jesus andava mais com os pobres, é claro, mas isso porque ele estava sempre nas estradas, nas ruas, nas praças, no meio do povo, nunca nos palácios e casarões paparicando os poderosos, porém, se um rico aparecesse por ali querendo ajuda, ele seria tão amistoso com esse rico do que com qualquer pobre. A questão de Jesus era a pessoa, o indivíduo, e não o seu status. Se você fosse um pobre dos dias de Cristo, seguiria o Mestre? Vejamos: ele não iria te alimentar só porque você deseja encher o estômago sem trabalho (João 6:25-27); ele não iria fazer o mundo girar ao redor de você só porque você é "pobre e excluído" (Mateus 26:6-13); ele não iria te poupar dos teus deveres para com Deus só porque "lhe falta bens" (Lucas 21:1-4); ele não iria te incentivar a não pagar impostos, mesmo que eles fossem abusivos (Lucas 20:20-25); se você lhe dissesse que "ganha muito pouco" ele não iria inflamar teu coração com desgosto pelo teu empregador, mas iria te estimular a um esforço e uma fidelidade maiores para com ele, de modo a cair na sua graça e receber uma remuneração melhor e merecida (Mateus 25:1-30). Sim, isso tudo ele te diria, porém, ao mesmo tempo, te aceitaria de braços abertos, mesmo sujo, doente ou defeituoso (Mateus 11:28; Mateus 9:12; Lucas 14:12-14); ele te faria perceber que, melhor que o pão e a água nutritivos para carne, é o Pão Vivo, que é Ele e Sua Palavra e a Água Viva, que é o Espírito Santo no cristão (João 6:48; Mateus 4:4; João 4:14); ele se relevaria a ti, mesmo sendo tu, porventura, ignorante (Mateus 11:25); ele te traria paz e segurança para além do conforto material (Mateus 6:25-34).
- Um Jesus amigo dos ricos e fortes? Se Jesus tivesse sido inventado pelos apóstolos, ou o faria compatível com um revolucionário pró-plebe (o que nitidamente não fizeram), ou o fariam amigo dos nobres, para que os poderosos de Israel financiassem o movimento. Nem amigo dos ricos Jesus era! Ele não precisava paparicar os endinheirados! Não lhe era necessário evangelizar num belo corcel branco, ter um casarão confortável na beira do Tiberíades, ser financiado e escoltado em viagens evangelísticas em Jerusalém ou, quem sabe, num barco emprestado, ir até Roma garantir algumas regalias dos nobres hebreus dos quais, por fim, seria apenas um emissário, um capacho. Não, Jesus nunca paparicou ninguém, tanto que seus seguidores mais íntimos, os 12 discípulos, com exceção de Judas Iscariotes, eram apenas pobres camponeses semi-analfabetos da desprezada Galiléia. Que apelo teria, pra começar, a figura do filho de um carpinteiro, vindo do Fim do Mundo, também morador da ridicularizada Nazaré, nascido numa caverna entre os animais e deitado primeiramente no cocho do gado? Que teve o nascimento anunciado, primeiramente, a pobres pastores de ovelha (Lucas 2:7-12)? Que apelo tinha um andarilho sem propriedades (Mateus 8:20) que, inclusive, foi sustentado por mulheres (Lucas 8:1-3)? Que apelo tinha um andarilho acompanhado quase exclusivamente por gente pobre e da mesma terra pouco louvável que ele? Se você fosse um rico dos tempos de Jesus, se prestaria a segui-lo e, constantemente, sentir-se envergonhado, humilhado, rebaixado por estar no meio da ralé? Se você fosse um rico nos tempos de Jesus, certamente ele iria querer você, mas rejeitaria todos os seus bens (Marcos 10:21-22) - pode até ser que, segundo teu coração, ele permitiria a manutenção das tuas riquezas, mas você seria considerado tão importante quanto qualquer um, nada mais e nada menos; ele não iria valorizar as tuas ofertas no Templo com base na quantidade, mas na qualidade da tua adoração (Lucas 21:1-4); ele não iria nem querer saber quanta esmola tu daria aos pobres (Mateus 6:3-4); se você aumentasse as suas riquezas, ele não ficaria impressionado (Mateus 6:19-20), mas é provável que se alegraria contigo - e não por interesse (Mateus 7:11). Certo, Jesus não iria estar nem aí pras tuas riquezas, mas você pode ter certeza que teria um amigo verdadeiro, não regido por intenções gananciosas. Pode ter certeza que, se ele te elogiasse, não o seria para bajulação, e pode ter certeza que ele não se afastaria de você só porque você teria mais bens do que ele. 
- Um Jesus amigo dos homens? Outro recurso que os apóstolos provavelmente teriam usado, caso o Evangelho fosse uma mentira, seria o apelo ao patriarcado: Jesus seria um machão machista, amigo dos machos-alfa, dos patriarcas e, por consequência, defendido pela classe religiosa, política e cultural de Israel, já que somente os homens tinham acesso à Torá e detinham cargos religiosos e políticos, de modo que, se divulgado por esse tipo de gente, o então "baluarte dos homens" influenciaria a sociedade facilmente em todas as suas esferas. Claro que Jesus era machão, vide o evento no Templo, quando expulsou à chibatadas um punhado de vendedores gananciosos (João 2:14-16), ou quando simplesmente se desvencilhou da multidão que queria atirar-lhe para baixo de um penhasco (Lucas 4:28-30), mas isso não significa que ele desprezava as mulheres! Só um Jesus não inventado daria tanta importância ao gênero feminino, na contramão de uma sociedade que considerava "o melhor da mulher pior que o pior do homem", que jamais dava crédito a palavra de uma mulher, considerando tal gênero "traiçoeiro", e na qual uma mulher jamais poderia dirigir-se a um homem que não fosse o seu marido. Jesus foi gente boa com as mulheres, criando estranheza da parte dos opositores: se você fosse uma mulher dos tempos de Cristo, ele iria contra o "politicamente correto" e conversaria muito tempo contigo olhando nos teus olhos (João 4:7-27); ele acreditaria nas tuas palavras (João 4:16-19); ele te protegeria da morte, mesmo que você tivesse feito a maior besteira (João 8:4-7), mas te pediria uma mudança de comportamento (João 8:8-11); ele te distinguiria no meio da multidão e se preocuparia com o teu problema mais íntimo (Marcos 5:24-34); ele te ensinaria como se você fosse um "rabino", mesmo que os hebreus considerassem isso repugnante (Lucas 10:39 - mesma expressão usada para "Paulo assentado aos pés do mestre Gamaliel", Atos 22:3); ele iria ter permitir no grupo de discípulos dele (Mateus 12:46-50) e, quem sabe, até pediria uma ajudinha pra ti (Lucas 8:1-3). Além disso, as primeiras testemunhas da Ressurreição de Cristo foram as mulheres (Mateus 28:1-7; João 20:11-18)! Uma verdade mais do que inconveniente para os hebreus. Mas isso não significa que você, como mulher, seria o centro do seu mundo, da mesma forma que nem os homens o eram, pois, ainda assim, ele guardaria a liderança da sua Igreja aos homens (Mateus 16:18), embora alguns cargos te estariam abertos, como ser diaconisa (Romanos 16:1-2) ou mestre em ensino (Atos 18:24-26).
- Um Jesus amigo das mulheres? Em Jesus todos se equivalem, com distinções de função e autoridade, mas nunca de valor (Gálatas 3:28) e, portanto, o Mestre não veio encher a bola da mulher - todos valem a mesma coisa. Como já dito, apesar de todos os privilégios garantidos por Cristo, antes inimagináveis para o gênero feminino, a liderança da sua Igreja seguiu fundamentalmente nas mãos dos homens, como ele mesmo estipulou. Além disso, os três discípulos mais íntimos de Cristo eram todos homens, a quem experiências singulares foram dadas (Mateus 17:1-2) - na verdade, o grupo de discípulos mais próximo, o dos 12, era totalmente masculino (Mateus 10:2-4).
- Um Jesus amigo dos religiosos? Como o cristianismo brotava do judaísmo, quem mais os apóstolos deveriam impressionar eram os líderes religiosos de Israel e, caso a fé cristã fosse mentirosa, certamente uma boa jogada seria colocar Jesus ao lado dos fariseus e mestres da lei. Mas não, não foi isso que aconteceu. Jesus foi inimigo ferrenho dos religiosos, daquele tipo de gente que tem a religião como um trampolim social ou que simplesmente cumpre um monte de regrinhas sem pensar, por obrigação. Se você fosse um religioso dos dias de Jesus, ele não se impressionaria com o seu louvor chamativo, feito para encantar e invejar as outras pessoas (Mateus 6:5); ele não iria se compadecer da quantidade de orações que você fizesse, já que estaria mais preocupado com a qualidade delas (Mateus 6:7); ele não se impressionaria com a sua conduta socialmente exemplar, se o coração estivesse frio (Lucas 18:10-14; João 9:16); você poderia até dar grandes quantias de dízimos, mas o que realmente o agradaria seria a sua intenção ao fazê-lo (Lucas 21:1-4); ele também não se impressionaria com o seu show espiritual (Mateus 7:21-23); e, se você fizesse o máximo possível, ainda assim ele não te consideraria melhor que os outros (Lucas 17:10). Bom, tudo isso poderia te acontecer, mas esse mesmo Jesus estaria sempre disposto a considerar o teu louvor, quando feito de coração e com sinceridade, sem te desprezar se tu não tivesse muito a oferecer. Ele não quer fama humana, ele simplesmente quer ser teu amigo (João 15:13). Leia Mateus 23.
- Um Jesus amigo dos não-religiosos? Certo, se Jesus não exaltava as pessoas porque eram muito religiosas, talvez tenha sido amigo dos não-praticantes, afinal, se Jesus foi inventado, algum público específico ele teria que atingir para ser aceito! Imagino que os judeus helenizados ou os imigrantes romanos em Israel gostariam de seguir um judeu não-judaizante, garantindo um reforço ideológico para não serem judeus religiosos. Mas nem esses Jesus apoiava! Cristo não era um rebelde anti-semita, em hipótese alguma! E você jamais conseguiria impressioná-lo com demonstrações de "personalidade", desprendimento e mente-aberta, na verdade ele gostaria de te ver seguindo, de coração, todos os seus mandamentos (João 14:21; João 15:14). Jesus iria reprovar severamente qualquer comportamento teu que fosse contrário à vontade de Deus (Mateus 12:30). O Mestre reprovava a falsa religiosidade, mas jamais pregava uma mensagem religiosamente anárquica, bagunçada, personalizável. A porta de saída sempre foi tão grande quanto a de entrada (João 6:60-67).
- Um Jesus amigo dos sãos e bravos? Para angariar seguidores, um Novo Testamento mentiroso poderia pregar que uma mente e um corpo excelentes aproximavam de Deus, que um físico sarado e um cérebro genial deixavam as pessoas mais perto do Divino, pelo menos assim angariaria para si os bravos e fisicamente excelentes legionários romanos, assim como os intelectualmente superiores filósofos gregos. Quem sabe, com o braço militar e o cérebro do Ocidente, o cristianismo tomaria conta do Império Romano. Mas, não! Jesus nunca pregou excelência física e intelectual como critério. Se você fosse um soldado romano, Cristo jamais se admiraria da sua bravura militar e de seu aspecto físico, na verdade ele gostaria mais de ver você colocando o rabinho entre as pernas e, deixando de lado todo o teu poder e aparência, curvando-se diante dele, coisa que, aos olhos dos outros, seria uma desonrosa covardia (Mateus 11:28); ele ficaria mais feliz te vendo receber cicatrizes e marcas do ódio humano anticristão e da fome do que definindo a sua musculatura numa academia (Mateus 5:1-12). Caso você fosse um grande filósofo dos tempos de Jesus, dificilmente conseguiria deixar o Mestre eufórico ao expôr as profundidades da tua intelectualidade (Mateus 11:25), na verdade, embora ele gostaria de te ver usando a inteligência para proclamar o seu nome, o Messias se agradaria mais de ver em você a simplicidade e inocência de uma criança (Mateus 10:14-15).
- Um Jesus amigo dos loucos? Nós sabemos que a Palestina sempre foi um barril de pólvora prestes e explodir em revoltas e conflitos, já que lá sempre houve gente disposta a entrar numa briga. Se o Evangelho fosse mentiroso e nitidamente avesso às aspirações dos sãos, talvez encontrasse suas multidões entre os loucos e masoquistas - público pra isso não faltaria, já que todas as maiores religiões sempre possuem um grupo de fanáticos que se flagelam. Mas até desses Jesus não se impressionaria! Claro que, pra seguir a Cristo de verdade, o cara precisa ser louco por ele e viver a loucura de enfrentar esse mundo hostil, mas tal loucura é diferente daquela mentalidade suicida e imprudente, coisa condenada por Cristo em Mateus 10:16 (Mateus 25:1-13). Ficar se matando sem motivo e rasgando o corpo loucamente, jamais faria Jesus te achar um cara legal, mas ele certamente gostaria de ver você rasgando o seu coração, se quebrando espiritualmente diante dele (João 3:30).
- Um Jesus amigo dos bonzinhos? Bom, se o Evangelho fosse uma mentira, mas não servisse pra atrair nem os religiosos, nem os não-religiosos, nem os sãos e bravos, tampouco os loucos, quem sabe tentasse persuadir o povo pelo universalmente aceito "fazer o bem"? Ora, um Jesus que veio ao mundo só pra dizer que as pessoas devem ser boas, coisas que elas já sabiam, pode parecer inútil, mas certamente agradaria bastante! Há um grande mercado pra esse tipo de coisa "politicamente correta", mas, FELIZMENTE, o Novo Testamento não apresenta o Messias como um pregador da fraternidade. É claro que fazer coisas boas é legal, é claro que isso faz parte da vontade de Deus, mas a pessoa pode se arrebentar, de tão boa, "dando a outra face" (Mateus 5:39), dando, além da "túnica", a "capa" (Mateus 5:40), "andando a segunda milha" (Mateus 5:41) e emprestando dinheiro pra todo mundo (Mateus 5:42), mas se ele não crer em Jesus, se entregando ao Mestre como Salvador e Senhor, sua vida de boas obras, a sua bonita história, não o levará a lugar nenhum (João 14:6), nem pra memória servirá direito, já que as "traças e a ferrugem" irão apagar todos os rastros (Mateus 6:20). Fazer coisas boas é correto, mas Jesus fez questão de lembrar que nós não merecemos nada além da morte e que, portanto, fazer coisas legais não nos dá mérito algum diante dele (Lucas 17:10). A coisa complica quando vemos Jesus dando atenção a ladrões e prostitutas (Marcos 2:16; Lucas 7:36-50). 
- Um Jesus amigo dos pecadores? O Politicamente Correto de nossos dias nos estimula a achar a prostituição algo bonito e até a considerar o ladrão como uma mera vítima da sociedade. Nos tempos de Jesus, porém, o Politicamente Correto era tratar prostitutas, ladrões e cobradores de impostos (gente que trabalhava aos odiados romanos) como subumanos, criaturas desprezíveis e intocáveis (a menos que fosse pra passar a faca). Nesse caso, se o Evangelho fosse uma mentira, provavelmente teria dado mais apoio aos religiosos judeus e aos fazedores de boas obras e tratado com o maior desdém os pecadores de marca maior, assim atrairia mais a atenção dos fariseus hipócritas, dos mestres da lei e de todos os outros que desejam se ver um nível acima de todas pessoas quanto puderem, mas não foi isso que aconteceu. Jesus, definitivamente, andou com os pecadores e desprezados (Marcos 2:16) - aí pode-se sugerir que os Evangelhos foram inventados e direcionados aos muitos pecadores declarados de Israel, usando desse vasto público como trampolim para o sucesso, porém nem admiração pelos pecadores Jesus demonstrava. Cristo até podia aproximar-se dos pecadores, mas sempre o fazia em caráter misericordioso, exortando para uma mudança de comportamento (João 8:11) - na verdade, o pecador, diante de Cristo, se sentiria mais pecador ainda, já que Jesus afirmou que só de olhar uma pessoa com intenção impura ou ódio, já estamos em pecado (Mateus 5:22 e 28).
- Um Jesus amigo dos nacionalistas? Os judeus dos tempos de Cristo simplesmente odiavam os romanos e a sua ocupação. Um dos meios de se divulgar uma mentira aceitável entre os judeus seria, justamente, o nacionalismo. Os judeus esperavam por um messias que fosse libertar Israel politicamente, através de uma revolta e, portanto, inventar um Jesus revolucionário, um Cristo xenofóbico, seria a coisa mais lógica, mas como o Evangelho é verdadeiro, acontece justamente o contrário. Mateus, o Evangelista, antes de ser discípulo de Cristo era um odiado cobrador de impostos (Marcos 2:14), Jesus fez companhia a gente que trabalhava para Roma (Lucas 5:27-32), também curou o servo de um centurião romano (Mateus 8:5-13) e, na hora de incendiar o povo contra o pagamento de impostos ao Império Romano, preferiu pedir-lhes que pagassem, em dia, as suas dívidas com César (Lucas 20:25). A decepção do povo com esse comportamento chegou ao ponto de, pouco depois de um grupo ter recebido Cristo como rei em Jerusalém (Lucas 19:35-38), outro (ou o mesmo) ter clamado por sua crucificação (João 18:39-40).
- Um Jesus amigo dos estrangeiros (romanos)? Pode ser que os apóstolos tenham sido financiados pelo Império Romano pra inventar uma história que sustentaria a sua ocupação, falando de um Jesus amigo dos estrangeiros. Mas, ao que parece, Jesus não era nenhum admirador dos romanos! Que amigo de César esse Jesus, que, depois de ter iniciado um forte movimento em Israel, não negou ser ele o "rei dos judeus", numa afronta direta ao prestígio do Imperador (Marcos 15:2), e, diante da religião romana e da divindade de César, afirmou-se Deus, coisa que incomodou romanos e judeus (João 4:26; 6:41; 14:6). Que amigo! De qualquer forma, os apóstolos, se tivessem criado uma mentira para agradar os romanos, não os fariam responsáveis diretos pela morte de Cristo (Mateus 27:27-38), não fariam Jesus dizer que os grandes romanos "não sabiam o que estavam fazendo" (Lucas 23:34) e, tampouco, ousariam afirmar que um legionário romano esqueceu de sua lealdade à César e ao panteão romano, considerando Cristo o Filho de Deus (Mateus 27:54). Para dificultar um pouco mais, o próprio Jesus afirmou que o seu ministério se daria prioritariamente entre os judeus (Mateus 10:6), só depois, com os apóstolos, é que os gentios receberiam enfoque. Mais estranho ainda seria pensar que os apóstolos teriam inventado uma mentira que levou-os ao martírio, perseguidos por ninguém menos do que Roma - alguns morreram por ações judaicas e pagãs em geral.
De qualquer modo, os romanos, latinos, teriam (e tiveram) dificuldade de crer num semita peludo do "fim do Fim do Mundo", um camponês dos camponeses e, pior ainda, israelita (Roma nutria um desgosto incontrolável por Israel e seu povo rebelde, sempre armando uma revolta e rejeitando a cultura e a religião romanas). Se os discípulos tivessem inventado o Evangelho para persuadir os romanos, fariam como Hitler fez século passado: criariam um Messias perfeitamente compatível com os ideais do povo a ser alcançado. Jesus foi o contrário!
- Um Jesus amigo dos judeus? Certo, se para os romanos o Evangelho não foi atraente, caso tenha sido uma invenção dos apóstolos, pode ter tido direcionamento para os judeus, não como nação de Israel, mas como descendência de Abraão. Ora, como se Jesus ofendeu os judeus de várias maneiras? Desafiou a concepção errônea, porém universal, do sábado (João 9:16), prejudicou os negócios do Templo através de uma baderna (Lucas 19:45-48), até mesmo "ameaçou" destruí-lo (Marcos 13:2), demonstrou uma intimidade com Deus que, aos olhos dos judeus, chegava a soar profana (João 10:30), se considerou Deus (João 10:30-31; João 8:58), falou com samaritanos, odiados pelos judeus (João 4:9), andou com mulheres, pecadores, estrangeiros, camponeses e valorizou crianças, como já citado - tudo "politicamente incorreto". Cristo, analisado sob tais perspectivas, era exatamente o tipo de gente mais odiável para os judeus. Pior ainda é pensar que o Messias morreu de uma forma que o Antigo Testamento considerava digna de "gente maldita" (Deuteronômio 21:22-23), no meio de ladrões (Mateus 27:38) e, pra encerrar, ainda dando a entender, antes de morrer, que Deus o tinha abandonado (Marcos 15:34). Se não fosse verdade, seria inteligente descrever que a morte de Cristo provocou tremores e rasgou o véu do Santo dos Santos aos meio, como um nítido rompimento com a Antiga Aliança? É lógico que isso ofendia os judeus (Marcos 15:38).
- Um Jesus amigo dos gregos? A política quem dominava era Roma, mas a cultura do Mediterrâneo era predominantemente grega. Seria interessante para os apóstolos, caso o Evangelho fosse uma mentira, atraírem os gregos, mostrando uma simpatia de Cristo para com o pensamento de seus filósofos. Mas nem nos gregos Jesus procurou admiração. Além da já citada questão da intelectualidade, os gregos teriam dificuldades em crer num Cristo que morreu e ressuscitou. Para eles a existência de um homem perfeito, excelente, filho de Deus, era aceitável, até porque eles já estavam acostumados com isso, mas a pregação de Cristo, descreditando a necessidade de excelência física e intelectual, juntamente com a forma vergonhosa com que morreu, em oposição à regra grega de que "heróis vivem e morrem cinematograficamente", e a sua ressurreição dos mortos (os gregos eram abertos a muitas ideias, mas esse negócio de "ressurreição" lhes era insano demais, Atos 17:31-33), formavam um combo anti-helênico - não que o cristianismo pregue um afastamento da filosofia grega, pelo contrário, mas os gregos da época de Cristo tinham todos os motivos para não serem cristãos.
- Um Jesus pacificador? Já que Cristo não se encaixava bem em nenhum padrão de sociedade humano pré-estabelecido, talvez ele tenha sido inventado pelos apóstolos para disseminar o cristianismo no mundo todo, sem orientação para nenhum povo específico, mas para todos, através de um lindo e maravilhoso discurso de paz e amor. Sim, Jesus pregou "paz e amor", mas de um modo muito menos meloso, colorido e delirante do que os hippies fizeram na metade final do Século XX - lembre-se que foi Jesus o cara do chicote no Templo. O amor que Cristo pregou nada teve com cultivar flores e resgatar pinguins (claro que isso é louvável e digno de ser incentivado), muito menos esse "amor" direcionava-se para mil abraços e beijos apaixonados (principalmente nas formas peculiares de "amor" de nosso mundo atual), o amor que Cristo pregou era do tipo mais incomum possível, não uma ridícula paixão, mas daquele tipo que caminha até a morte pelo próximo, um amor sacrificial até o limite mais extremo (João 15:12), um amor sem malícia, sem segundas intenções, sem bajulação, um amor verdadeiro, daqueles que quase ninguém conhece, mais racional do que emocional (Lucas 6:27). Jesus também não foi do tipo que caminhava por aí de camisa branca e com uma bandeira de pomba, na verdade a "paz que Cristo dá" (João 14:27) é mais uma condição espiritual e emocional de tranquilidade e segurança do que uma cômoda aliança ou tratado de paz com o inimigo. Para Cristo não existe tratado de paz com inimigo algum: ele incentiva o seu seguidor a enfrentar o que for preciso por amor ao Seu nome, produzindo uma inimizade dele para com o mundo (João 15:19), contra si mesmo (Lucas 9:23) e contra Satanás (Mateus 13:39), de modo a enfrentar o que for preciso pelo nome de Cristo, o que inclui a própria família (Mateus 10:33-39). Em momento algum é dito que devemos matar em nome de Jesus (Mateus 5:39), antes temos que morrer por ele, o que é dito é que devemos amar as pessoas de modo a nos opormos aos seus pecados e às amarras desse mundo em prol a sua libertação.
- De quem Cristo era amigo, afinal? Jesus, na questão do pecado e das convenções humanas, foi inimigo de todos os povos e classes desse mundo, até porque ele não era desse mundo, sendo assim, de quem Cristo foi (e é) amigo? Ele ama todos os seres humanos, observando apenas o fato de serem seres humanos, e nada além disso, de modo que não existem fronteiras geográficas, culturais, históricas, étnicas, intelectuais e materiais para o seu amor, ele ama a todos e, justamente por isso, não favorece ninguém com base em questões observáveis, enquanto, ao mesmo tempo, favorece a todos com sua graça, com a salvação garantida a qualquer um que nEle acreditar e que considerá-Lo Senhor e Salvador (João 3:16). É claro que os apóstolos, se estivessem mentido em seu relato, não o teriam feito com um objetivo tão nobre - por qual motivo mentirosos desonestos escreveriam algo pelo qual morreram? Escreveriam para divulgar uma suposta salvação universal para todos aqueles que viessem a acreditar na figura central da sua mentira? Quem sabe fossem apenas piadistas fazendo uma pegadinha com o povo: "quando vocês morrerem, vão descobrir que enganamos vocês! Até vamos ser martirizados para sustentar essa piada!" Que lucro, além de fome, desprezo, vergonha, perseguição e morte eles obtiveram com essa mensagem? E, como analisamos nos pontos anteriores, não há nenhum outro possível motivo além desse (uma mensagem universal de salvação eterna) para a confecção do Evangelho, já que o mesmo é incompatível como chamariz para qualquer grupo específico de pessoas. Se os apóstolos inventaram Jesus, ao mesmo tempo eles foram muito burros, pois criaram alguém que soube criticar e declarar guerra contra todo o tipo de comportamento humano e contra todos os povos, enquanto absurdamente geniais, desenvolvendo a personalidade mais perfeita, complexa e admirável de toda a história humana - alguém tão maravilhoso e surpreendente quanto Cristo não poderia ser inventado por pessoas comuns e, se fosse milagrosamente inventado, essas mesmas pessoas não lucrariam nada com isso, pois tal perfeição viria carregada de algo grau de desprezo dos povos desse mundo, que logo matariam os autores. 
B - O Livro dos Excluídos: o Novo Testamento é surpreendente não só por causa de Cristo, mas também por causa de seus autores. Pra começar, gente como Pedro, Tiago e João eram nada mais do que meros camponeses galileus de famílias humildes, que teriam dificuldade de aceitação nos círculos mais intelectuais, em segundo lugar, gente como Mateus, um odiado cobrador de impostos, e Lucas, um estrangeiro, custariam a cair na graça dos judeus. Nem preciso falar de Paulo, que por quase toda a vida ficou marcado como um cruel e famoso perseguidor de cristãos - esse teve dificuldade de ser aceito pelos cristãos e, inclusive, pelos judeus, que o tiveram como um traidor. Se a Igreja tivesse inventado toda essa história, teria imaginado autores menos problemáticos e, certamente, teria ocultado os deslizes vergonhosos desses "heróis", como Pedro, que nega Jesus três vezes, ou como quanto Pedro, João e Tiago dormem enquanto Jesus sofre terrivelmente no Getsêmani - tal dor de Cristo, que chega a expelir sangue dos olhos, também demonstra uma inconveniente fraqueza. A autoria e os relatos incômodos mostram que o Novo Testamento é veraz.
C - Mais que um bom e sábio homem: o Evangelho é autêntico, uma vez que os apóstolos não teriam inventado algo tão inaceitável para todos os homens de seu período, no qual nenhum grupo encontrava-se no centro, com todos em parte criticados e em parte elogiados. Nesse caso, sendo o Evangelho autêntico, alguns podem defender que ele apenas transmite a mensagem de Jesus como um "bom homem", mas, eu pergunto, um "bom homem" mentiria e manipularia pessoas tão descaradamente, afirmando ser "Deus"? Outros podem dizer que Jesus foi apenas "um sábio", mas, pergunto, um "sábio" seria louco o suficiente para afirmar-se "Deus"? As profundíssimas palavras de Cristo mostram-no como um gênio que dificilmente desceria a um poço tão fundo de insanidade - e o seu evidente amor, descarando a sua bondade, barra a ideia de que ele estava mentindo quanto a sua condição, até porque ele foi morto por causa de suas declarações. Jesus considerou-se divino e demonstrou extrema sabedoria e bondade, enquanto aceitou adoração humana, de modo que não era mentiroso e nem louco, culminando na verdade inquestionável de que era (e é) Deus, coisa que a Ressurreição deixou mais do que clara.
Conclusão: a Mensagem do Novo Testamento é tão incompatível com o ser humano em sua condição natural ou pré-cristã que apenas umas poucas décadas depois de Cristo já surgiram algumas heresias, querendo adaptar a politicamente incorreta Boa Nova ao pensamento grego, às religiões orientais e ao judaísmo. Compreensível, já que uma nova civilização nasceu com Cristo, com aspectos totalmente novos e desconhecidos a todos, de modo que o processo de aceitação da fé cristã exigia amplo abrir mão de conceitos milenares - uma dolorosa passagem para o "caminho estreito". Quem iria querer acreditar em algo que estimula o homem a lutar contra sua própria vontade? Quem inventaria algo assim?! É por isso que o homem tentou dar umas modificadas na Boa Nova, preservando parte da maravilhosamente revolucionária mensagem cristã em parceria com alguma coisa pré-cristã, pra tornar o negócio mais aceitável, atitudes que acabaram comprometendo a essência do Evangelho. Os Primeiros Séculos da Era Cristã seguiram com uma intensa luta contra as heresias (ninguém queria ser perseguido e morto por uma fé repleta de mentirosos) e com perseguições severas contra os cristãos, desenvolvidas pela espada, pelo pensamento e zombaria, mas, ainda assim, contra todas as expectativas, o número de cristãos aumentou assustadoramente. A religião dos fracos ganhou fiéis na legião romana e até na guarda pessoal do Imperador; a religião dos pobres atraiu gente das classes sociais mais elevadas; a religião dos ricos fez multidões de famintos pregarem pelo Mediterrâneo inteiro; a religião dos romanos ganhou os judeus e a religião dos judeus ganhou os romanos; a religião dos intelectuais ganhou os humildes enquanto a religião dos ignorantes atraiu inúmeros intelectuais; a religião das mulheres persuadiu os homens e a religião dos homens se encheu de mulheres, isso enquanto a religião dos loucos infestou-se de gente prudente e a religião dos prudentes virou uma loucura (e que loucura). A religião de ninguém atraiu todo mundo!
É claro que as estradas romanas, a diminuição da pirataria no Mar Mediterrâneo, a sede por uma religião nova e mais pessoal, o desânimo para com as religiões tradicionais, a língua grega por todo o lugar e a "paz romana" facilitaram a expansão do cristianismo, mas a aceitação de uma fé que não privilegia ninguém, mas faz todo mundo se sentir culpado de alguma coisa, precisa de um empurrão extra. O ser humano não gosta muito de se deparar com verdades inconvenientes e compromissos exaustivos, por isso é improvável que essa nova religião tenha conseguido varrer os milenares e suficientes paganismos anteriores, criados segundo os interesses de seus fiéis, já que o cristianismo, numa análise superficial, não parece beneficiar diretamente ninguém, pelo menos do ponto de vista carnal. O que fez a religião mais sincera e, por isso, censurável do mundo, ganhar espaço suficiente para se tornar, de longe, a maior de todas? A única coisa que pode explicar o explosivo crescimento de algo contrário a tudo o que o homem deseja e nascido num ambiente totalmente árido para o seu crescimento reside em estrondosos e inquestionáveis eventos históricos. Apenas a real existência de alguém nitidamente divino, em palavra, atitude e poder, apenas a real e extremamente bem divulgada ressurreição de Cristo, trariam tamanha energia para o cristianismo, creditado por milhões (hoje bilhões), mesmo sendo exatamente o que, carnal e claramente, ninguém quer. Apenas a nítida ação do próprio Deus através de Cristo e do Espírito Santo pode explicar a origem e a expansão do cristianismo!
Natanael Pedro Castoldi

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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O Século da Caverna

O texto é vasto, mas é o que de melhor tenho entendido sobre o renascimento do misticismo e paganismo no Ocidente. A ideia de escrever esse grande trabalho se deu com uma breve leitura do livro Magia Branca, Prátias Para Atrair a Luz em Sua Vida, Beatriz Pardini, Madras, 1999, que recebi emprestado de um dito parapsicólogo e, com base nele, formulei uma resposta desafiante. Eu jamais compraria um livro assim, por isso aproveitei a oportunidade a mim dada de tomar desse material e fazer uso dele conforme os meus conhecimentos prévios e objetivos. Espero que a leitura seja agradável e instrutiva. 

O Século da Caverna
Sobre a Nova Era, Espiritismo e Xamanismo 
Natanael Pedro Castoldi, 2013

Algo estranho está acontecendo. O homem do Século XXI está adentrando em uma nova fase de sua história, está construindo uma nova civilização e, assim, destruindo grande parte daquilo que conquistou nos últimos séculos, andando na contramão de seus avanços intelectuais, regressando por um caminho já trilhado para uma realidade outrora reinante, mas enterrada pelos milênios de argamassa cristã. Tal é uma sociedade em parte já vista, porém em muitos aspectos nova: é um novo ser humano, místico aos moldes primevos, mas que caminha pelas selvas de concreto enquanto é transpassado por incontáveis sinais de ondas de celular, televisão e internet, o intelectualmente rude que habita nos domínios herdados da fria e racional humanidade que o sucedeu e que estabeleceu a civilização que o rodeia. É um homem com a mentalidade de nossos mais remotos e selváticos ancestrais, mas que, assim como os antepassados tinham o privilégio de nascer num ambiente natural e propício para sua existência, nasce presenteado por uma ordem tal de sociedade que, com base em sua visão de mundo, jamais poderia ter sido construída. É o retorno à “caverna”, o nascimento de verdadeiros trogloditas intelectuais, porém estes em berços de aço, não de palha ou relva – como se esperaria.
A verdade é que o homem do Século XXI, principalmente no Ocidente, é um homem traumatizado e decepcionado. Ao longo de séculos a humanidade esforçou-se em dominar o mundo natural, dos fundamentos da matéria aos elementos cósmicos, com o interesse de, pela tecnologia, encontrar soluções materiais para grandes problemas humanos, como doenças, fome, deficiências físicas e mentais... Sólidas e tradicionais instituições de ensino e pesquisa andaram a frente desse sonho coletivo: um mundo mais tecnológico haveria de estabelecer a paz e prolongar a vida! Grande parte dessas instituições, assim como a própria ciência, vieram da instituição ocidental mais tradicional de todas: a Igreja. Foram monges cristãos que resgataram os manuscritos clássicos da longínqua antiguidade grega e propiciaram o Renascimento, foram preceitos bíblicos que semearam as filosofias fundamentais do pensamento científico, foram cristãos alguns dos maiores cientistas da história humana. Havia uma ligação razoavelmente intrincada entre Ciência, Cristianismo e Estado, de modo que essas três esferas pudessem ser tidas como pilares fundamentais do que veio a ser chamado de Modernismo, ou Era Industrial – o fervilhante e empolgante período que antecederia a plenitude da humanidade. A verdade é que, no limiar da Primeira Guerra Mundial, a Europa via uma prosperidade inigualável, enquanto dominada pela paz e liberdade... mas a máquina capaz de construir um mundo melhor, pôde também produzir das armas mais mortíferas.
O otimismo sucumbiu de súbito. Nos últimos degraus do ápice da História Humana duas das mais terríveis guerras da história explodiram, as duas Grandes Guerras, onde o ser humano pôs pra fora tudo aquilo que de pior armazenou nos anos de paz, cometendo atrocidades inimagináveis, como o Holocausto e Hiroshima. O baque foi aterrador, mas o que não poderia ser pior, ficou: a sombra do nazismo se estendeu pelas décadas e a mancha vermelha do comunismo e seus ditadores genocidas, que mataram mais do que as Grandes Guerras somadas, acompanhou o século mais sangrento de todos os tempos até quase o seu término. O homem ocidental estava cansado de guerras e, quando iniciada da Guerra do Vietnã, movimentos antes impensáveis se levantaram, numa rebelião contra a violência – mas não comente contra o fogo da batalha, também contra todas as instituições tradicionais que construíram o mundo aterrorizante que se automutilava.
O Mundo Moderno morreu com sua moral e seus sonhos. As pessoas cansaram de apostas nas tradições, no frio, sóbrio e calculista mundo de seus pais – parecia suicídio prosseguir naquela jornada rumo ao caos. Desse anseio geral, numa nova tentativa de construir um mundo melhor, os hippies surgiram, pregando “paz e amor”, em moldes mais existencialistas e místicos – os homens deviam se amar e respeitar, enquanto aproveitavam ao máximo as suas vidas, sem viver para construir o futuro, como fracassaram as gerações anteriores na tentativa de fazê-lo. O desprezo pelas instituições tradicionais, que haviam erigido os arranha-céus e as “feridas” urbanas, levou muitos aos bosques, em estilos de vida eremíticos, primitivos, onde poderiam tocar a relva com os pés, respirar o ar fresco do mundo natural e gozar de uma vida de desinfecção da civilização – o amor pela “Mãe Terra” se deu não somente pela frequente inalação de ervas em brasas, mas em basicamente todas as esferas da vida desses grupos. Virou tendência procurar por modos alternativos de vida, fugindo das estruturas financeiras, culturais e religiosas que haviam recebido de berço. Alguns foram mais radicais, outros menos, mas as filosofias que se opunham às tradições se alastraram como palha ao vento.
O desprezo pela civilização ocidental, uma vez levando o homem a apreciar a natureza virgem, deu fôlego para os primeiros grupos de defesa da natureza, que padecia de uma “doença chamada homem”.  O crescimento desenfreado da indústria e a crescente ocupação de áreas verdes apenas alimentou aquilo que os novos ameríndios já haviam começado a cogitar: “o mundo natural é maior e melhor do que nós e o homem é um mal a ser combatido e repelido”. Uma vez desprendendo-se dos apelos religiosos e científicos tradicionais, com base no crescente apreço pela “Mãe Terra”, filosofias místicas retiradas do mais profundo do ser humano, de seus domínios irracionais, pré-científicos e pré-cristãos, começaram a inflamar-se – os elementos naturais novamente recebiam nome de entidade, personalidade, poder e função sobrenatural. Esse posicionamento espiritualista ganhou força com a filosofia relativista: como o Mundo Moderno, cheio de certezas e razão, fracassou em seu método, talvez não houvesse verdade a ser encontrada e, sendo assim, todos deveriam passar a viver as verdades que entendiam como importantes, isso sem depender de evidências científicas e razoabilidade filosófica.
Enquanto, no Mundo Moderno, o Ocidente solidificava-se na razão, havia partes do mundo, especialmente as não-cristãs, em que pensamentos da mais remota antiguidade ainda eram preservados e postos em prática – o mundo pouco industrializado havia guardado as tradições de seus brâmanes e xamãs. Como nessas vastas terras, rodeadas de montanhas e isoladas por florestas densas, as raízes da mais longínqua humanidade prevaleciam -raízes essas que, pelo medo de um mundo indomável e pela ignorância diante do que se via, resumiam-se no culto animista, onde os elementos e fenômenos naturais eram tratados como divindades-, os ocidentais revolucionários tiveram uma fonte quase interminável de religiões e filosofias para fazer uso e adaptar. O Oriente, em grande parte, havia escapado das vis garras do pensamento Moderno, e era, portanto, quase que um túnel direto para o passado místico do ser humano, de modo que fazer uso das tradições asiáticas ou ameríndias seria como recomeçar do ponto onde as coisas ainda não haviam dado errado e tentar, mais uma vez, mas de modo diferente, acertar. Muitos adeptos do “estilo de vida alternativo” logo aderiram ao hinduísmo em suas vertentes, budismo e religiões xamânicas.
O homem ocidental, em seu relativismo e regresso aos primórdios, já que no futuro só via morte, também fez questão de reavivar aquilo que era propriamente seu: o druidismo celta, o paganismo nórdico e outras religiões tribais que haviam perdurado durante os tempos do Império Romano cristianizado e da Idade Média, tendo milênios a mais do que outras religiões primitivas da Europa para se encorpar e enraizar na mente ocidental. Tais religiões, essencialmente pagãs, politeístas, embasadas no animismo, tiveram paralelos nas mais longínquas civilizações humanas, como o animismo mesopotâmico e egípcio – os elementos fundamentais se mantinham. O paganismo europeu, vale lembrar, esteve longe de toda a caminhada filosófica dos gregos e clérigos e árabes medievais – que aniquilaram os paganismos milenares que os antecederam -, também longe de qualquer percepção racional e científica de mundo, estendendo-se pela história através de bruxas e druidas isolados nas entranhas das florestas, cercados apenas do mundo bestial, irracional, instintivo – e, assim, igualmente bestializados. Unindo-se tal realidade e modo de ver o mundo natural às filosofias mais introspectivas do Oriente, o ocidental tinha a sua adaptação tão desejada.
Diante do pavor do mundo cataclísmico que se erguia das mãos conservadoras, o homem ocidental, assim como o animal assustado, fugiu para a caverna, procurou se esconder, se salvar – e correu para a caverna de seus antepassados, correu para o xamanismo em relação ao mundo externo, correu para as meditações asiáticas em relação ao mundo interno. O homem procurou a caverna dos bosques e a caverna de si mesmo, enclausurando-se no animismo e na introspecção. Como o pensamento coletivo do Mundo Moderno fracassara, a percepção oriental de sondagem interior, de encontrar o seu “eu”, tornou-se atraente – e aliou-se demasiado bem, ironicamente, à mentalidade crescente no Ocidente capitalista: a busca pelo meu prazer, pelo meu melhor, pelo meu conforto. É claro que, numa humanidade à beira do colapso, parecia desnecessário pensar no bem geral, sendo mais viável tentar “encontrar-se” e aproveitar ao máximo os prazeres da vida antes que tudo tivesse fim – a histeria instalou-se no universo da indústria e comércio e no universo das religiões, que brotaram de modo tão repentino e variado quanto se via nas marcas e modelos de tênis, carro, televisores... Como a verdade se via relativa, qualquer um poderia inventar sua própria religião e como o que vale é o “eu”, tornou-se natural migrar freneticamente de crença, procurando sempre aquela que melhor satisfazer as filosofias do indivíduo e mais lucros lhe trouxer. O mundo virou consumo: consumo de bens materiais e “espirituais”. Nesse sentido, a própria filosofia relativista, que fundamentou os ares revolucionários dos primeiros “alternativos”, possibilitou a mescla mais recente dos ideais capitalistas “retrógrados” às religiões tribais renascidas.
Analisando o cenário atual com um pouco mais de cuidado, o misticismo que cresce velozmente em nossa sociedade é muito mais humanista e materialista do que alguns aspectos da sociedade Moderna: o centro da história é o homem, o indivíduo, e os objetos materiais, sejam quais forem, podem ser dotados de tal valor e importância, a ponto de preservarem forças espirituais vindas diretamente do cosmos ou dos fundamentos do mundo, forças essas que devemos respeitar com todo o zelo e adoração. Aí o espelho é mais importante do que um livro, pois seu eu quebrar o espelho terei sete anos de azar... O “mundo natural” ganhou força com o desprezo do homem, porém agora ambos são supervalorizados.  Aparentemente, a visão de mundo adotada por muitos ocidentais também parece mais mecanicista do que a do jazido Mundo Moderno: se eu dou o primeiro passo com o pé esquerdo, libero uma energia estranha no mundo espiritual que, como um código, chega instantaneamente às estrelas, que, por sua vez, respondem automaticamente com uma rajada de “má sorte”. Nesse sentido, o Universo se divide em duas forças espirituais opostas, impessoais, irracionais e mecânicas, que sabe-se lá como e de onde surgiram: o Bem e o Mal – isso também é zoroastrismo. Podemos, ainda, reforçar o quanto a solução de filosofias e religiões que hoje podemos conceber como Nova Era, promovem um existencialismo talvez mais agressivo do que o naturalismo, um dos pontos fortes do Mundo Moderno: o foco do indivíduo está na sua marcha pela “existência”, no fazer valer a sua “existência”, no aproveitar sua estadia aqui, antes que vire alguma pessoa, animal ou capim na próxima encarnação, que não terá noção dalguma da “vida passada”, é assim que termina o livro Magia Branca, de Beatriz Pardini, Edit. Madras, 3ª Edição, pg 101: “Faça da Magia Branca a sua aliada em todos os dias da sua bela existência”.
É claro que o Mundo Moderno, embasado na razão, exagerou em suas ações, porém isso não significa que a razão é algo a ser descartado. O cérebro é, talvez, a máquina mais complexa e incrível existente em todo o Universo e ele é o que mais nos diferencia do mundo natural: o ato de pensar, refletir, raciocinar e memorizar nos dá vantagens incomparáveis por sobre todos os outros seres. Para a formiga, o mundo é o caminho traçado do formigueiro até a fonte de comida – e o que ela fez um mês atrás, já não mais existe em sua mente. Para o peixe, o mundo é a água que o cerca no espaço de algumas horas, pois logo ele já se esqueceu de tudo o que lhe ocorreu duas voltas no relógio atrás. Os animais, os seres irracionais, não podem fazer uma real construção de mundo, não podem ligar os pontos: eles não podem relacionar o que viram meio ano atrás com o que vêem no momento, nem o que estão vendo diante deles com aquilo que viram de quilômetros antes. Eles não reparam o céu, também não analisam, por curiosidade, plantas, pedras ou sua própria face na água, tampouco fazem uso de instrumentos que facilitem estudos sobre o mundo derredor – eles querem sobreviver: instinto é o seu mundo e tal se constrói com a imagem de sua toca, de seu predador, de seu bando e do seu alimento predileto. O ser humano, racional, é diferente: ele lembra do pinheiro em flor que viu no ano anterior e relaciona aquele que no momento vê, farto de pinhas, tirando conclusões disso por comparação e dedução; o homem também lembra da árvore viva que viu sessenta quilômetros caminho adentro e é capaz de entender sobre a morte ao analisar uma outra, jazida no chão. O ser humano toma o graveto para estudar os cupins, sobre no rochedo para melhor observar as estrelas, fita por horas seu rosto no espelho d’água para entender a si mesmo.
É claro que, num mundo mais primitivo, com ursos e lobos, feras mais poderosas do que o homem, com o inverno aterrador e as cheias vorazes, num mundo onde os grãos ainda não eram domados para a agricultura, nem o gado para a pecuária, numa humanidade encravada em florestas inexpugnáveis, a preocupação com a sobrevivência sobressaía por sobre o interesse pelo conhecimento – e é nesse universo humano afastado do aprofundamento da reflexão racional que o animismo, que o paganismo em geral, lançou seus alicerces. Pela incapacidade de entender o mundo, já que faltava tempo, já que havia interesse maior na sobrevivência e equipamentos necessários para estudos profundos inexistiam, os fenômenos naturais em suas dimensões colossais, pelos apelos emocionais involuntários, foram explicados como frutos diretos de ações divinas ou como sendo os próprios deuses. Nesse sentido, o homem, além de não entender o mundo corretamente, criou religiões com base nos elementos naturais e em si mesmo.
Essa perspectiva imperou na totalidade das religiões pagãs até o advento do judaísmo, que concebia a existência de um Deus único, fora do Universo e responsável pela criação do mundo natural, tal determinado por leis estabelecidas e não-divino. A filosofia grega também foi um avanço, tirando conclusões mais coerentes através de análises mais profundas da existência, das evidências e das religiões ancestrais – atingindo quase o nível do ateísmo. O cristianismo veio como um engrossamento do pensamento judaico, com os acréscimos daquilo que Jesus Cristo fez e disse e dos escritos de seus seguidores e apóstolos, em especial Paulo, e um aprofundamento das filosofias gregas, dando-as um sentido mais claro. No contexto aqui formado, o homem entendia-se como a imagem e semelhança de Deus, de modo que tinha o direito de estudar o mundo natural e, vendo o mundo natural como não-divino, sentia-se livre para analisá-lo – isso também com base no ânimo de se saber que, como os elementos naturais e seus fenômenos não são entidades que possuem vontade própria, valia a pena estudar a natureza e suas regras fixas. Conforme o homem estabeleceu-se em ambientes mais seguros, pôde pensar mais, isso embasado no apogeu do pensamento judaico e grego.
Com novos conhecimentos de matemática, química, física, astronomia, biologia, geologia e todas as diversas áreas da ciência, isso tudo com base no desenvolvimento de nossos equipamentos de estudo, o homem foi descobrindo que, realmente, assim como declara a Bíblia, as movimentações do mundo natural são embasadas em princípios estabelecidos e mecânicos – as coisas acontecem não por serem entidades, mas porque leis as causam. Com o tempo descobriu-se que os raios não são lançados por deuses nos céus, também se soube que o Sol não é arrastado pela abóboda celeste por uma carruagem voadora, nem a chuva escorre de um oceano primordial, nem que a Terra é chata ou o centro do cosmos – isso tudo com base em estudos e novas percepções. A desmitologização do mundo foi o resultado mais óbvio: se soube que a chuva vem como fruto de um ciclo natural, se soube que o raio é resultado do acúmulo de eletricidade e da polarização da mesma, se soube que seres vivos não brotam de pedras, trapos de roupa ou pedaços de carne e se soube que a gravidez é fruto da união de gametas tanto do homem, quanto da mulher. Logo descobriu-se que basicamente todos os mecanismos quem mantém a vida em nosso mundo se desenvolvem dentro de princípios químicos e físicos, também descobriu-se que tudo o que a vida é, em todas as suas formas, está estabelecido em imensos códigos genéticos, plenamente constituídos de elementos químicos. A razão nos trouxe a uma realidade que, embora perigosa, garantiu os mais significativos avanços tecnológicos e medicinais –preservando mais vidas do que destruindo-, as mais ricas descobertas científicas e a mais plena concepção de mundo e Universo.
É claro que as partes do mundo não tocadas pelos pensamentos greco-judaico-cristãos jamais chegariam no mesmo ponto. Enquanto Newton entendia a gravidade, um brâmane hindu pensava que a Terra estava montada sobre elefantes e estes, por sua vez, sobre uma tartaruga cósmica – uma versão ainda existente do Altas grego, esquecido mediante os avanços do pensamento ocidental. Em certo aspecto, partes geográficas do mundo nunca deixaram de guardar homens com concepções primitivas – assim como, no coração humano, nunca deixou de existir um resquício daqueles longos milênios de nomadismo. Mesmo com todos os avanços, foi fácil revitalizar a pré-história: bastou tomar algo emprestado do vizinho e dar uma vasculhada nas próprias entranhas. Quando começamos a pensar dessa forma, não podemos deixar de nos surpreender com o fato de os ocidentais estarem, depois de toda a carga de informação recebida, voltando a crer num Universo místico, onde estrelas projetam o futuro de cada, onde o pé de grama é alguém reencarnado, onde todos, na vida passada, foram alguém famoso e moraram em algum lugar importante – milhares foram Napoleão e a Toscana, certamente, já foi mais bem povoada do que hoje é.
Alguma coisa está errada no mundo ocidental... quando finalmente descobrimos que a gripe é um vírus, não uma maldição, muitos começam a pregar que “gripe não existe, é coisa da cabeça”. Quando finalmente conseguimos analisar os fundamentos elementares mais básicos e minúsculos da matéria, onde não há nada de espetacular, há quem brade que uma determinada pedra guarda poderes mágicos. Quando finalmente entendemos o fogo, que há milênios dominamos, e como sentimos o cheiro das coisas, há quem diga que o fogo de uma vela verde com cheiro de hortelã produza algum efeito sobrenatural. Será que voltamos aos primórdios? Os que hoje pensam dessa forma tem sorte de terem nascido num mundo construído sob outra perspectiva... e podem refletir melhor sobre isso enquanto tomam banho de ducha o fazem suas necessidades no vaso sanitário – duas das muitas coisas que não existiriam se a humanidade tivesse trilhado por muito mais tempo os seus raciocínios tribais dos tempos primitivos, raciocínios esses que os novos místicos adotam e disseminam de seus computadores para a internet, que também são frutos da profundeza da razão.
Analisando as novas filosofias, mediante aquilo que a humanidade conquistou, não consigo sentir nada além de tristeza. Nós entendemos como as estrelas funcionam e sabemos que elas não possuem personalidade, significado, nem nada além de reações químicas, mas, ainda assim, há quem pense que suas explosões mortais de luz e radiação influenciem nalguma coisa em nossa vida terrena. Há quem olhe para o céu noturno vislumbrando estrelas que estão há milhares de anos-luz de nós e entre si, formando desenhos questionáveis aos nossos olhos - e desenho nenhum quando nos aproximamos delas -, dando significados a tais símbolos e pregando que essas estrelas, sem nenhum contato entre si e sendo objetos inanimados, confeccionem, em conjunto, o destino futuro de cada um dos seres humanos – destino esse sempre muito genérico e óbvio. Eu não consigo entender! Como elas conversam? Como elas chegam a conclusões? Como são unânimes? Como preveem meu futuro? Como comunicam essas informações aos videntes, que apenas vêem um desenho disforme no céu? Eu gostaria de saber qual é a ponte que as liga entre si e as liga a nós... Há quem diga, ainda, que dependendo da posição dos astros no céu, é melhor eu usar chinelos em determinado dia, ou uma roupa azul numa outra ocasião – que atentos que são os astros, não é mesmo? Um pedaço de borracha no meu pé certamente libera uma energia para o cosmos, influenciando no meu futuro...
Vou ser mais claro: no dia tal, com o alinhamento tal, eu devo usar uma bota de couro preto para atrair sorte sobre a minha vida, é o que podem dizer. Mas, pense bem, que diferença faz um pedaço de couro morto em contato com a cama de células mortas que constitui a superfície da pele dos meus pés? Qual é a lógica disso? Que diferença existe em usar uma bota de couro, pisar num tapete de couro ou vestir uma meia de lã? Qual é a reação diferente que se desenvolve usando a bota?! E como ela, em contato comigo e com o solo, emitirá informações aos astros? Ou atrairá “energias positivas” sobre a minha vida? Que é o couro?! Que diferença faz o couro na bota ou no animal vivo? Que diferença existe entre um trapo de couro ou sua disposição em forma de bota? A forma muda muito? E a cor? O que é um pigmento de tinta? O que é senão a solução de determinados tingimentos?! Que é um tingimento? É algo além do produto inanimado que extraio de certos minerais, seres vivos ou reações químicas? O que é o elemento mineral? O que é a célula animal morta? O que é uma reação química? Que diferença isso faz no mundo espiritual?! E a combinação da cor com o couro em forma de bota e com o meu pé, qual é a ligação de uma coisa com a outra e como isso produz um efeito sobrenatural sobre a minha vida? Será que o impessoal e irracional mundo sobrenatural percebe alguma coisa?! Eu gostaria muito de saber...
Vamos lá, reflita! Que diferença há entre uma pedra bruta ou uma pedra com algumas partes removidas para formar uma imagem coerente, mas que mantém os mesmos elementos originais? Que é, senão, uma imagem? O que é um som, senão uma onda resultante da movimentação da matéria? Que é essa matéria que se move, senão apenas um conjunto de estruturas químicas? Por que a música, produzida pela movimentação dessa matéria e emitida em ondas, fará alguma diferença?! Qual é a lógica?! Que é uma forma? Que é uma cor? Que são essas coisas dentro do Universo?! Eu sei o que são: elementos que influenciam no psicológico – quando a música parece atrair a entidade, na verdade ela está emocionando o ouvinte, de modo a criar um ambiente propício para seu transe; cada cor levanta emoções determinadas no psicológico humano, de modo que fazemos uso delas com base naquilo que nossa mente sente; a forma da pedra ou do couro também não é nada senão algo que instiga nossa imaginação e proporciona um ambiente diferenciado e emocionalmente propício para o desenvolver do ritual. A verdade é que os movimentos de Nova Era são puramente frutos da emoção: sua origem, em repulsa ao Modernismo, é embasada nos sentimentos ruins em relação ao mundo tradicional, e a forma como os místicos encontram seus êxtases é questionável, obtida através de sons, chás, imagens, cores, cheiros, meditações, privações... que criam um ambiente emocionalmente adequado para que as suposições sobrenaturais se façam verazes, isso através da manipulação da mente, de alucinações ou interpretações errôneas de eventos reais. Tudo isso se intensifica quando esse grupo, que crê no que quer, não no que entender, se fecha em sociedades alternativas e grupos de culto, onde todos concordam entre si, onde há lucro social em ser coerente com o pensamento comum, onde a atmosfera de euforia se generaliza.
O homem tem duas forças incontroláveis: a curiosidade pelo desconhecido, pois o ser humano é um ser explorador, e o anseio por dominar o máximo que puder. O pensamento religioso pós-cristão, portanto, pode ser incentivado antes por suprir aquilo que o ser humano instintiva e racionalmente quer, do que por conter informações científicas e verazes. Quando eu digo que, com o poder do pensamento, atraio para mim aquilo que quero e que, se juntar uns cristais coloridos pôr fogo em velas aromáticas e andar em círculos, cantando e vestindo uma roupa exótica, consigo obter do cosmos ou dos espíritos aquilo que desejo, estou simplesmente me deixando levar pelo meu instinto dominador e isso pelas atraentes veredas do desconhecido. Na realidade, que diferença faz para o cosmos se eu fizer uso de velas coloridas e aromáticas, uma cor a cada dia da semana, por um certo tempo? Tudo é nada além de cera colorida e cheirosa derretendo mediante o calor. Também acho improvável que algo no mundo espiritual tenha algum interesse por cheiros de vela, que são apenas fumaça e aroma para o mundo material – ou seriam os espíritos como que máquinas, atraídos e ativados instantaneamente por intermédio de qualquer ritual?
Estive analisando o livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, e faço minhas críticas com base no próprio desafio do autor: os Espíritos se encarregarão de defender o espiritismo e faz cair por terra todos os ataques dos “inimigos”, pg 12, Ide, 2013. É interessante como, apegando-se ao oculto e espiritual, o autor atribui para si mesmo autoridade e poder, domínio, aquilo que o homem sempre procurou. O que o espiritismo afirma é que Deus encarregou os Espíritos de transmitir a Sua Mensagem, sendo eles a autoridade espiritual máxima, porém, na página 10 vemos a afirmação de que devemos analisar a informação dos Espíritos pelo cunho racional, verificando a sua veracidade: eu sou a fonte de autoridade, ou eles, afinal? Como posso determinar se é aceitável o que eles disseram, se eles são a fonte? A menos que eu queira usá-los como fonte de autoridade para minha palavras e, ao mesmo tempo, fazer valer aquilo que eu mesmo quero. Kardec diz que a veracidade do espiritismo está na concordância geral dos centros espíritas, mas isso parece servir mais para legitimar as modas e interesses humanos comuns. Podemos crer naquilo que vários Espíritos disseram em vários lugares diferentes, porém o próprio Kardec diz que um Espírito Mau pode apresentar-se sob vários nomes - quem garante que esse mesmo Espírito não possa visitar diversos centros espíritas e transmitir a mesma e errônea afirmação? A verdade é que o critério de aceitar como verdade aquilo que é tido em muitos centros diferentes sobre o mesmo assunto é arriscado: quem garante que não existam mais Espíritos Maus do que Bons e que, portanto, a mensagem espírita é fruto da manipulação dos Maus? Os Espíritos que garantem isso? E se eles forem Maus, poderíamos acreditar em suas afirmações? Mas Kardec recorre à aceitação por parte de centros espíritas sérios, mas o que define “seriedade”? Os Espíritos? O autor do livro, ainda, página 11, afirma que algumas revelações são dadas antes da hora e que, em momento oportuno, as pessoas se lembram delas: como confiar em quem “se lembra”? Esse lembrar não seria fruto da emoção? Da onda? Do interesse social dentro da comunidade espírita? Por fim, Kardec afirma que os seu livros são confiáveis, pois muitas pessoas em muitos lugares têm concordado com suas palavras: concordam com as doutrinas espíritas de Kardec, pois foi ele mesmo quem definiu essas doutrinas. Outra grande discrepância é de que a “opinião universal” é a fonte de autoridade sobre a Verdade: sendo assim, o espiritismo estaria errado, pois a opinião universal pende para as mais diversas religiões, exceto para o espiritismo. É muito arriscado ter como definição de doutrina seres que são inatingíveis, fontes que não podem ser verificadas e cuja natureza não podemos discernir, é complicado se basear naquilo que a opinião geral, a moda, determina.
Para o cristão, somente Deus é a fonte de autoridade máxima e Ele mesmo veio ao mundo e, ressuscitando, provou isso. O cristão entende quatro coisas sobre o que de espiritual acontece nos movimentos religiosos atuais e, inclusive, nalgumas igrejas sincréticas: o ser humano possui poder espiritual em si mesmo e pode, sim, alterar algumas realidades físicas, muito pode ser coincidência, casualidade e fruto da emoção e vontade, demônios podem agir para enganar e aprisionar os homens e o próprio Deus pode responder ao pedido insistente dos indivíduos, mesmo que a questão não lhes faça bem.
No cristianismo temos um homem, Cristo, que viveu uma vida perfeita e historicamente verificável e cujas palavras nunca foram provadas falhas e ruins. No cristianismo temos uma fé racional, desapegada de objetos materiais, de templos, de sacrifícios animais, de territórios políticos e geográficos, de misticismo e mágica. É, simplesmente, o relacionamento com uma pessoa, a Pessoa Eterna que venceu a Morte e pode nos mostrar o Caminho da Eternidade, que é ela mesma, sem depender de nenhuma obra deteriorável que possamos realizar. Encerro esse trabalho com um artigo escrito por mim em 2011:

Passado revivido
Não, isso não é só um jogo de palavras com a postagem abaixo. Hoje, indo visitar o ancionato de Gramado, paramos num mercado e, na entrada, sendo distribuído gratuitamente, eis um jornalzinho totalmente enveredado na ideologia da Nova Era - mais um daqueles esforços humanos para reencontrar a essência perdida, mas sem optar pelo mais fácil e acessível: Deus. Se fosse só por isso, tal jornal me teria passado por despercebido, mas a capa trazia uma imagem e matéria que me pegaram pela curiosidade e decepção: "Consciência xamânica - O renascer do interesse pelo xamanismo e pelas plantas sagradas acontece em todo o planeta, indicando uma restauração da relação espiritual com a natureza." Assim que vi a capa e a analisei, me veio uma espontânea reflexão, é o que segue.
O que está acontecendo no mundo? Filmes como Avatar demonstram bem: o homem ocidental está negando o Senhor do Universo, mas, involuntariamente, se apegando a algum traço espiritual, para substituí-Lo. Nesse caso, a própria Terra, como mãe, como deusa, Gaia. Isso me remete a um argumento bem teísta: o ser humano, por mais ateu que professe ser, não vive sem que, pelo menos, seu subconsciente seja regido por algo superior, espiritual. O ser humano é uma criatura com essência espiritual, fora criado à partir das mãos de Deus. A separação dEle no Éden deixou um vazio em nosso espírito humano, outrora ligado à Deus. Esse vazio espectral, por fim, é o que movimenta a humanidade ao longo de toda a sua história: uma busca incessante por algo que sane esse abismo interior, alguma segurança emocional, algum alicerce sólido mediante a desesperadora realidade que se percebe ao olhar para "dentro do copo". Os passos humanos, as religiões -porque Cristo não é religião-, as guerras, as obras, tudo, voluntária ou involuntariamente, provém dessa busca vã.
Na realidade mais primitiva do homem, mediante a natureza indomável, o medo, distante de qualquer traço significativamente tecnológico, fora um passo natural, baseado na necessidade de suprir o espiritual, de se submeter a algo, enveredar-se nos caminhos mais óbvios e palpáveis: a crença nos poderes da natureza, inexplicável e assombrosamente vasta. Também não excluo a atividade demoníaca como chamariz. O mais estranho é que esse simplório passo em prol de algum conforto e segurança, puramente instintivo, a resultar nas religiões tribais, no caso as americanas, ressurge com extremo poder em nossos dias. O homem pós-moderno diz-se detentor das mais alta e potente sabedoria, da mais vasta tecnologia, construtor uma civilização perfeita e incomparável, deusa de si mesma e, supostamente, livre de Deus, mas, o que se vê, de fato, é que não venceu os seus instintos espirituais mais básicos e eles escancaram tudo, põe em ruínas toda a imagem de autossuficiência, toda a imagem antropocêntrica: ele precisa se prostrar, ele precisa se curvar ao que se remexe com todo poder no interior, o espiritual.
O que me parece, analisando desse âmbito, é que a humanidade está desesperada, pois o homem, como vimos acima, recorre ao instinto espiritual, buscando algum conforto e segurança, quando se depara com algo que o amedronta, que não consegue explicar, que é grande demais. Foi assim que surgiram as religiões tribais e é por isso que elas retornam, elevando-se das areias do tempo, saíndo do passado totalmente rudimentar para encontrar espaço, sentar no trono de uma sociedade que gaba-se de possuir a plenitude da tecnologia, da filosofia, do conhecimento de si mesma. Mas, nada, nem a tecnologia, nem a filosofia, foi capaz de impedir que o homem das cavernas aflorasse, que a caverna se revelasse, novamente, o local mais seguro para se proteger da tempestade. Mediante um futuro caótico, de sombras e fogo, de dor, um futuro de lobos e sangue, quando o pleno conhecimento da ciência não se mostra mais relevante, é a pré-história que abre seus braços. Isso também mostra o quanto não fomos feitos para o mundo atual, o quanto não precisamos e não nos alegra de fato toda a frescura do desenvolvimento. E é bem isso que está acontecendo, os próprios "xamãs" dizem que tudo se trata de proteger e salvar o mundo do colapso natural.
Esse movimento todo, também, se deve à influência da mídia e dos governos. Manipulações, mentiras, exageros, bombardeados pelos meios de comunicação e nas escolas, assustam o povo, fazem os mais fracos se descabelarem. "O mundo está morrendo, unamos forças para salvá-lo". Então, todos se unem, se perdem. A sua própria integridade mental, sua própria constituição humana, não tem relevância alguma, o que vale, agora, é salvar o planeta, enquanto os senhores da mídia, as grandes corporações, não dão a mínima para tal questão. É só uma distração. "Efeito estufa" pra cá, "efeito estufa" pra lá e o pessoal não para de correr, não para para pensar, os homens, então, se tornam escravos da mentira e, logo, dos senhores da mentira. Uma humanidade inteira, assustada, por fim, retorna para a "caverna". Além de toda a aniquilação mental, se consegue a aniquilação espiritual. É verdade, sim, que o que nos espera é o colapso mundial e que devemos respeitar a Criação, mas, pense: vale a pena se acabar na missão de "salvar o mundo" e esquecer de salvar-se a si mesmo? Falo tanto no aspecto mental, como espiritual. De que adianta deixar algum legado natural aos sucessores, mas pari-los na lama, na podridão moral, ética, espiritual? Na confusão? No caos?
O mais irônico dessa história é a quem o homem decidiu se submeter dessa vez. Antes, Deus, depois ele mesmo e, agora, ao poder espiritual de algumas plantinhas e animais, sendo que os "espíritos" destes tornam-se seus mestres. Essa é a consciência de nossos tempos: o homem é o vilão, o inimigo, o destruidor; melhor seria, como no Avatar, deixarmos, se pudéssemos, de sermos humanos. Então os animais se tornam maiores do que nós, tem-se pena de um cãozinho faminto, mas repudia-se o mendigo, que, racionalmente sofre de fome, frio, agressão e bebe ou se droga afim de esquecer, ou esquecer-se de si mesmo, por alguns momentos, distanciar-se de seu estado depressivo ou anestesiar-se mediante do frio invernal, tanto climático, quanto nos corações humanos. Quem se importa com o homem? "Esse monstro terrível"? "Que come outros seres vivos"? "Assassino"? -Como se os animaizinhos não fizessem o mesmo. É claro que devemos cuidar da Criação de nosso Pai, mas nós somos a obra-prima!

Outro aspecto interessante das religiões tribais é o fato de usarem "plantas mágicas" para se encontrar com os deuses desse mundo. É claro, é muito mais fácil encontrar algum "deus" estando dopado. Mas a relação que quero fazer aqui é com a própria figura do mendigo que vimos acima: sem esperança, sem ter como planejar um futuro, desiludido com o mundo que o cerca, vendo uma dolorosa e assustadora depressão a se alastrar em seu interior, padecendo da frieza dos outros para com ele, não vendo oportunidade ou alicerce algum para, por ventura, encontrar alguma solução, algum traço de felicidade, se deixa levar pelo álcool, por alguma droga, preferindo depositar o pouco dinheiro que tem na esperança de abandonar, momentaneamente, esse mundo opressor, do que guardá-lo, mas continuar sóbrio para a realidade mortal. Assim, como está o mendigo que você vê e finge não existir, está a humanidade. Não há mais esperança de um futuro, não há mais porque projetar futuro algum, a ciência e a tecnologia não foram capazes de solucionar os problemas que outrora se prontificaram a resolver. Não há mais no que se apegar, o caos é iminente. O amor se esfriou no individualismo, a família está morrendo, os relacionamentos tornaram-se ferramenta a suprir a carência espiritual. O homem está desamparado, aterrorizado. Os tempos modernos o assustaram e decepcionaram tanto, que decidiu tomar uma pá e escavar o mais fundo possível para se esconder e ali, nas profundezas da história, ressuscitou algo que viesse a trazê-lo conforto em dois aspectos: espiritual, conformando-se com a resposta tribal, e psicológico, através dos alucinógenos, servindo de escape, servindo de cova, caverna, refúgio mediante a tempestade.
As religiões tribais também são mais acessíveis para o homem individualista, impaciente e mecânico de nossos tempos. Não é necessário se apegar a nenhuma instituição, não é necessário ter que se moldar aos próximos. A busca se trata de uma viagem solitária ao ermo, a empreitada individual pela felicidade. Os ídolos visíveis e o aspecto alucinógeno tornam-nas mais "palpáveis", mais próximas. Aqui entra outro aspecto interessante do xamanismo: a tal busca solitária pela própria felicidade, a viagem ao ermo, para mim, assemelha-se muito ao instinto canino de se afastar dos donos ou do bando quando a morte se aproxima. Da mesma forma, o individualismo parece uma resposta instintiva do homem, involuntária nesse aspecto, quando, pressentindo seu próprio colapso, decide afastar-se do resto do bando para viver em solidão seus últimos momentos. Analise bem.
Sim, eu supro meus instintos básicos de necessidade espiritual em Deus. Não há porque negar isso. Sinto-me seguro, motivado, fortalecido. Mas o cristianismo está bem longe de ser produto imediato dos medos e necessidades humanas, pois surgiu numa realidade já bem ligada e alicerçada em religiões milenares, também cresceu com oposições imperiais. Seus membros eram perseguidos, humilhados e torturados até a morte. Na Idade Média, apenas provou-se como o homem é cruel e maligno à ponto de perverter profundamente algo ímpar, uma fonte de juízo, moral, de sanidade incomparável. Hoje, a igreja se divide em "cristãos tribais", que pervertem a fé cristã na onda xamanista e outras ideologias, e os cristãos de fato, aqueles que ainda estão em Cristo. Para nós, que estamos nEle, nossa fé se encontra em extremo oposto ao movimento tribal que se alastra. Não, não é resposta puramente instintiva eu estar aqui, defendendo minha fé, esta que luta -ao lado de Deus- sozinha em oposição à milhares de religiões e seitas, à centenas de governos, à milhares de ideologias, à milhões de incrédulos. É uma realidade assustadora, pelo meu instinto eu correria para a caverna, mas sou obrigado, em nome de meu Deus, a rumar para o olho do ciclone e lutar bravamente, até o fim.
Cristãos, resistamos! Para quem recorrerão os incrédulos quando, por fim, descobrirem que além da ciência, o xamanismo não fornece as respostas? Recorrerão para aqueles que resistem até o fim pela Causa, para aqueles que provam que estão lutando por algo preciosíssimo, pois não retrocedem, mesmo mediante evidente e momentâneo prejuízo. Não, não ofereçamos a caverna que tanto os decepcionados desse mundo procuram, ofereçamos a fortaleza de nossa fé, para que, protegendo-se, encontrem bons motivos para lutar!

Natanael Pedro Castoldi, 2013

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