Nunca houve um esforço tão grande em tornar a Bíblia mais agradável e fácil de entender quanto em nossos dias. São mil versões de bíblias de estudo com enfoque nas mais diferentes áreas (teológica, apologética, linguística), mil versões de bíblias com aplicações para públicos específicos (da mulher, da mulher que ora, da vovó, do homem moderno, do menino radical, da menina, do pastor), mil versões com aplicações para a prática da fé (de oração, de leitura diária, deve ter até a do dizimista fiel), mil traduções diferentes (contemporânea, brasileira, almeida isso e aquilo, de hoje, viva, nova viva), também temos a Bíblia em áudio (e com a voz mais marcante do Brasil), isso tudo além de um punhado de livros que resumem e facilitam o entendimento da Palavra, como manuais, comentários, bíblias em quadrinhos, ilustradas e outros, como A História, A Bíblia em 100 Minutos e A Bíblia, baseado na minissérie de TV, estes pela Editora Sextante - inclusive eu os tenho e recomendo. Quer livros de teologia? Temos milhares. Quer livros de prosperidade? Infelizmente temos milhões. Quer livros de Apologética Cristã? Felizmente temos incontáveis. Quer livros de auto-ajuda cristã? É uma pena que tenhamos pilhas desses. Quer livros de liderança, aconselhamento, louvor, ética cristã, filosofia, psicologia, ciência, história da igreja, arqueologia, entre outros? Temos tudo isso, nacionais ou importados, protestantes ou católicos. Não, não falta nenhum material para nada, não falta livro sobre coisas úteis e inúteis, sobre verdades e mentiras, sobre cristianismo e heresia. Estamos abarrotados. Não é que há algumas décadas já não tivéssemos muito material, é que em nossos dias as pessoas estão conseguindo comprar mais, a internet facilita, o aumento da renda também e, é claro, o crescimento da igreja protestante no Brasil contribui grandemente. Só não lê sobre qualquer coisa cristã ou gospel quem não quer. E, sim, eu entro na lista dos compradores assíduos.
Isso, de modo algum, é uma crítica ao número de livros cristãos que atualmente encontramos por aí - na verdade eu acho isso maravilhoso. É claro que eu sou contra muito do que é incluído no tal "mercado gospel", que virou uma poderosa indústria sedenta por lucros e capaz de abraçar qualquer coisa que se diga "amiga de Jesus" - aí temos "joio" e "odres velhos" sendo indiscriminadamente comercializados como "trigo" e "odres novos", simplesmente porque carregam o selo "gospel". Não esqueça que o selo gospel também supervaloriza o produto, que por ser vendido na livraria da igreja pode custar quase o dobro. Sem enfatizar o mercado gospel ou desvalorizar as editoras cristãs, que fornecem um serviço de grandiosíssima importância para a igreja, quero trabalhar a discrepância entre os materiais facilitadores da Bíblia e o comportamento antibíblico da maioria dos cristãos. Temos facilitado a Bíblia em sua teoria e dificultado o seu entendimento perante os não-cristãos através da prática - e aí produzimos uma desnecessária oposição contra nós e contra a Bíblia que, mesmo não praticada corretamente por nós, acaba pagando o preço de nossa rebeldia, já que afirmamos que a seguimos.
Preguiça de pensar: um dos meus momentos de maior produtividade teológica, quando mais escrevi sobre a Bíblia, foi antes do seminário. Não que o seminário não aumentou meu conhecimento, óbvio que foi o oposto, mas acontece que, na ausência de materiais eu me esforçava muito mais em refletir sobre as dificuldades bíblicas por conta própria e tirar as melhores conclusões que, com base na leitura do texto bíblico, eu conseguia. Sim, nessas eu acabei pensando algumas coisas estranhas, mas tudo fez parte do meu crescimento. Hoje, olhando pra trás e ao meu redor, com base no que até aqui relatei, constato uma das complicações que tantas facilidades literárias nos trazem: nosso cérebro fica preguiçoso. Está tudo tão fácil, tão acessível, tão numeroso, que se tornou simplesmente desnecessário quebrar a cabeça para entender questões bíblicas ou se esforçar numa árdua leitura do texto em uma versão mais "antiquada". Nós nos tornamos apenas arquivos de informação bíblica, não mais produtores. Somos apenas reprodutores do texto de outros, não seus escritores.
Por favor, não me entendam mal, não falo que devemos nos afastar dos conhecimentos já produzidos ou reescrever a Bíblia, falo que a igreja brasileira produziria muito mais material (de qualidade) e seria muito mais forte se, além de tomarmos base no que já está escrito, publicássemos, como cristãos comuns, as nossas próprias compreensões sobre tudo, como resultado de uma mente sempre atenta e fortalecida pelo exercício intelectual. A verdade é que, se assim fosse, muito mais críticas contra as incoerências de nossa igreja seriam desferidas - nossos cristãos não seriam apenas peixes minúsculos sendo arrastados em cardumes pela maré. Uma das maiores doenças da igreja atual, pelo menos no Brasil, é o enfraquecimento da personalidade e da intelectualidade do cristão, sendo submetido a um pensamento teológico inquestionável e a uma subcultura alienante - coisas que variam conforme a denominação. Pense só em quantos escritores de qualidade e potenciais teólogos de primeira que estamos perdendo com essa cultura da preguiça mental! Com essa cultura do "quero um livro fácil de ler" ou do "é pastor que pensa por mim" (e uma outra pessoa pensa pelo pastor). Qual será o preço disso? Já temos uma igreja que, em sua maior representação, não sabe como responder adequadamente aos ataques dos inimigos da fé e, em um zelo sem conhecimento, acaba bradando arrogância, prepotência e inimizade, produzindo uma oposição maior e mais feroz. Somos um expressivo número na população nacional, mas nos comportamos como uma minoria fechada e birrenta, que prefere tomar bases na emoção do que no conhecimento, nos livros e pregações "daquele cristão famoso" do que no entendimento bíblico de primeira-mão. Acabamos como papagaios, repetidores do que já está ali, participantes de um gueto cultural, do qual quase nada de bom sai e é visto pela sociedade - lemos coisas fáceis para facilitar a nossa vida particular e dentro da igreja, buscando pouquíssimo conhecimento para um maior entendimento dos contextos histórico, cultural, político e religioso de nossa sociedade, para sermos realmente efetivos em suas vias, para sabermos como viver no mundo real. Não é interessante como os cristãos quase não estão mais produzindo músicas que criticam o uso de drogas, a violência, a política e outras questões de utilidade pública, se resumindo a louvores cantados em "crentês" e completamente irrelevantes para os não-cristãos? É egoísmo demais, é orgulho onde não deveria haver.
Esse gueto cultural, esse egoísmo todo, fica bastante evidente, e até paradoxal, quando vemos, juntamente com a demonização de tudo o que é do "mundo", uma aglutinação de comportamentos e atividades seculares ao "gospel", com direito a "rave gospel", "cristoteca", "ficar gospel" e outras coisas sinistras. De um lado temos um legalismo pesadíssimo, no meio temos um paradoxo estranho ("fora é demônio, mas se colocar pra dentro é puro") e, do outro, uma libertinagem total.
Pouco entendendo, quase nada fazendo: a facilidade de informação está gerando uma preguiça mental. Quando nos tornamos sedentários, veja se não é verdade, sempre queremos mais e mais folga e facilidade. O mesmo está acontecendo com os cristãos brasileiros: tudo está muito fácil de conseguir e entender, logo se cria uma barreira ainda maior para o ato de "fazer". Todas as vias mais confortáveis foram selecionadas: "é mais fácil ser cristão na igreja do que fora, então serei mais cristão na igreja"; "é mais fácil ser cristão dentro da igreja ou sozinho? Então sairei da igreja"; "é melhor ler as passagens bíblicas sobre privação e sofrimento ou sobre prosperidade? Então minha Bíblia só terá prosperidade"; "é mais fácil lutar contra o meu pecado ou me sentir menos pecador apontando os pecados dos outros? Então lutarei contra o pecado dos outros, não o meu"; "é mais fácil orar pelos pobres ou ajudá-los também em obras? Então ficarei só na oração mesmo"; "é mais fácil orar pelos pecadores ou falar mal deles? Então apenas falarei mal"... uma coisa abre caminho para a outra, um limite quebrado traça o destino do próximo limite. Quanto melhor, pior; quanto mais fácil, mais difícil; quanto maior, menor. Sim, essa é a matemática de Deus: quanto melhor é a vida da igreja, pior será o seu comprometimento; quanto mais fácil é a sua doutrina, mais difícil será encontrar um verdadeiro cristão nela; quanto maior e mais poderosa ela for, provavelmente será menor no Reino dos Céus do que imagina. Nós, como humanos, temos a tendência de acumular o que nos é bom e afastar o que nos é ruim, o que explica uma igreja cheia de cristãos acumuladores de mordomias e facilidades em detrimento dos aspectos difíceis do cristianismo, que são os mais evidentes e importantes.
É interessante como o número de livros cristãos que temos por aí cria a ilusão de que os não-cristãos só não entendem o cristianismo porque não querem. Nós, humanos acumuladores de coisas boas e inimigos do que nos é ruim, gostamos de afastar de nós, como cristãos, a culpa por grande parte do que é dito contra a fé cristã hoje. As pessoas não entendem o cristianismo principalmente porque não entendem os cristãos! Não entendem como pregamos um profundo amor (embora não entendam o que isso realmente dignifica) enquanto atravessamos a rua quando vemos um ateu ou homossexual - sim, os cristãos brasileiros, em seu gueto cultural, já não estão mais conseguindo viver numa sociedade não-cristã, de modo que tentam impôr preceitos morais cristãos, que só são praticáveis com o auxílio do Espírito Santo, a uma nação que não entende a sua importância e que jamais conseguirá colocá-los em prática. Nós queremos que a sociedade facilite a nossa boa vida, para não termos o trabalho de nos acostumar com o diferente. Em hipótese alguma estou pregando que a igreja deve aceitar tudo, pois senão não estaria criticando os próprios e inaceitáveis comportamentos de uma grossa fatia da mesma, estou dizendo que devemos ser coerentes e não agir como as minorias normalmente agem: querendo que o mundo gire entorno delas ("ninguém toca no ungido do Senhor!"). Penso se a forte luta da igreja contra algumas medidas de nosso governo, luta essa importante, não toma como base, pelo menos para a maioria, o medo de que as coisas fiquem difíceis pra nós, cristãos, e nossa boa vida. Acho que poucos pensam que essa luta será boa também para todo o restante da sociedade.
"Por que você está escrevendo isso, Natanael?" Alguém pode estar pensando. Eu estou escrevendo isso porque os protestantes do Brasil são um grupo que, quanto muito, atinge pouco mais de 20% da população, mas que analisa e critica absolutamente tudo em nossa sociedade sem ser capaz de analisar e criticar a si mesmo. Quantas críticas vemos partindo da igreja em oposição ao "mundo"? Quantas críticas vemos partindo da igreja para resolver os seus próprios e dramáticos problemas? É claro que temos que criticar com sabedoria as incoerências de nossa sociedade, mas não podemos nos colocar no pedestal de juízes desse mundo, quando apenas Deus o é, assim como não podemos nos comportar como se fôssemos uma instituição perfeita, sem problema algum, quando apenas Deus o é. Eu vejo muita tentativa de mudar o mundo e um mísero esforço em tratar as suas próprias mazelas - é o que eu disse antes: somos acumuladores de coisas boas, o que significa que queremos nutrir os erros que, em nós, facilitam a vida, e alterar os desconfortos que a sociedade derredor nos proporciona. Isso é, basicamente, egoísmo, não amor. É amor fingido, talvez (Romanos 12:9). Ora, sejamos honestos: quando, sendo essa fatia da população, achamos que o Brasil está todo errado, também temos que olhar pra nós mesmos, porque os nossos problemas não resolvidos também contribuem negativamente para o país! Se fôssemos mais verdadeiramente cristãos, as coisas já seriam muito melhores. Temos a prepotência de pensar que, se tivéssemos uma maioria protestante no Brasil, na igreja como ela hoje se encontra, salvaríamos o país - a verdade é que apenas acabaríamos transferindo para a nação, com um impacto ainda maior, os gritantes problemas que alimentamos em nossas congregações. Eu entendo que o país seria melhor em alguns aspectos, com uma diminuição considerável no consumo de drogas e da prostituição, por exemplo, mas a verdadeira mudança, aquela que a Bíblia nos incentiva a promover (aquela que em teoria pregamos), essa só será possível com uma espécie de reforma no pensamento de nossas igrejas.
Quando no título desse tópico eu escrevi "pouco entendendo", também fazia referência ao número de material cristão que está disponível hoje. Uma vez que temos incontáveis livros que facilitam o entendimento das coisas, trabalhando com o raso do conhecimento, com a superfície, uma massiva maioria, de mente preguiçosa, fará extenso uso apenas desse tipo de material, basicamente por interesse na acumulação de coisas boas: "quero entender a Bíblia sem esforço". É claro que um grande número de cristãos tem comprado material teológico de qualidade, mas proporcionalmente é um número ínfimo e, certamente, muito menor do que os cristãos da geração do meu pai adquiriam. Vivemos na Geração Emoção, na qual tudo o que toca os sentimentos e que não requer um maior esforço mental para entendimento ganha maior público, de modo que os extremamente fracos e superficiais materiais de "auto-ajuda gospel" ("pare de sofrer"; "seja um vencedor") acabam sendo distribuídos como água. O acesso ao conhecimento diverso criou grandes grupos que apenas partilham material da categoria "abecedário cristão" - apenas "leite". A informação é vasta, mas, ao mesmo tempo, as mentes preguiçosas, em sua maioria, pouco sabem e entendem (com menos material "facilitador", as pessoas leriam mais a própria Bíblia). De todo modo, a informação é vasta, está disponível.
Voltando ao que comentei anteriormente, criamos a expectativa de que os não-cristãos irão conhecer a Bíblia por conta própria, com base na quantidade de material disponível, nos isentando, assim, da responsabilidade de um bom testemunho. Aí que está a incoerência: enquanto a disponibilidade de informação para nós, cristãos, é vasta, inegável, incontável, o nosso comportamento como seguidores de Cristo é limitado, questionável, simplório. É uma montanha de conhecimento em oposição a um comportamento infantil, ignorante, não muito cristão. Não temos como medir o esforço da igreja de nossos dias em tornar a Bíblia conhecida e conhecível por todos, mas é impressionante o diminuto esforço da parte dos cristãos para fazer a Bíblia conhecida, conhecível e reconhecível através de si mesmos e de seu comportamento. Nós somos a versão da Bíblia de maior entendimento possível, nós devemos ser a sua reprodução na prática! Por que isso nos é tão difícil? Porque como acumuladores de coisas "boas", desejamos que os outros encontrem Cristo fora de nós, para que não precisemos nos esforçar tanto em um comportamento excelente. Mas eles simplesmente não irão fazê-lo - e é aqui que deixamos que muitas vidas se percam.
Sim, o cristão é a primeira Bíblia que o não-cristão lerá. Pense em que versões da Bíblia estamos distribuindo por aí, atualmente! É uma Bíblia que diz que Deus só vai abençoar quem der muito dinheiro; que Deus quer te dar carro e casa; que Deus não vai deixar que ninguém te toque; que nenhuma promessa de dEle (pros outros) não vai se cumprir na tua vida; que eu tenho que seguir cegamente tudo o que o pastor fala; que Deus se alegra em templos colossais; que Deus se alegra de um legalismo insano; que existe demônio em tudo e todos... é uma Bíblia que mente, uma Bíblia que rouba, uma Bíblia que engana, uma Bíblia que trapaça, uma Bíblia que manipula, uma Bíblia que ilude. É uma Bíblia apresentada por pessoas que não conhecem a Bíblia para pessoas que quase nunca a abriram na vida. É uma Bíblia que tem muito pouco de Bíblia, mas que o não-cristão não vai julgar com coerência, por falta de... conhecimento bíblico. Eu, cristão, sou, querendo ou não, a primeira Bíblia que o não-cristão vai ler - e ele vai julgar a Bíblia com base no meu comportamento. Vai! Ele não vai querer saber muito o que eu falo ou deixo de falar, já que, provavelmente, tudo o que eu falar ele já vai ter ouvido por aí (aquela ladainha de sempre), ele vai querer saber como eu vivo, o que eu faço, o que eu realmente penso: se eu sou coerente. É claro: quando um cristão com conhecimento além do superficial abre a boca, também temos um diferencial - mas a palavra se valida na ação.
Que Bíblia eu quero que o não-cristão conheça através de mim? Uma Bíblia egoísta? Arrogante? "De outro mundo"? Uma Bíblia que prega um misticismo, um paganismo sincrético? Algo pré-cristão? Que prega que Deus está num prédio, num livro, num objeto qualquer, numa pessoa bem vestida? Uma Bíblia que apresenta um cristianismo quase igual às demais religiões? Ou bastante mundano? É isso que eu quero? Talvez o cristão prefira, realmente, viver esse cristianismo fácil e diabólico, mas precisa estar consciente de que os seus ávidos observadores vão julgar Cristo através dele - e aí Cristo vai julgá-lo como responsável pelas vidas perdidas. Devemos ser o que pregamos - como ser hipócrita se eu prego contra a hipocrisia? Como nutrir ódio, quando prego o amor de Deus? Como ser arrogante, quando prego a humildade de Cristo? Como esperar uma transformação social e espiritual quando eu faço o mesmo que todo mundo faz? Eu sou cristão, imitador de Cristo, o Espírito Santo está em mim, de modo que eu não devo esperar, pressupor que as pessoas encontrem Deus indo em algum lugar, abrindo algum livro ou ouvindo alguma música: como representante de Deus, como habitação do Eterno, eu devo garantir que as pessoas encontrem o Criador através de mim, porque Ele está em mim, não está num lugar, não está num livro, não está numa música ou nalgum objeto qualquer - ele está mim!
Da mesma forma serve para a vida cristã: eu não abro a Bíblia pra encontrar Deus, não vou para a celebração de domingo na igreja pra encontrá-Lo, não oro pra fazê-Lo se aproximar, não procuro o pastor ou o "irmão poderoso" pra Deus chegar mais perto: Deus já está em mim! Deus parte de mim, de dentro, não de fora. O cristianismo não é mágico, é racional: abrir a Bíblia não libera, automaticamente, "unção", ir pra igreja não aumenta a minha "quantidade de Espírito Santo", ouvir o pastor não santifica o meu espírito, só cantar não muda nada e orar por obrigação, muito menos - no cristianismo as coisas só acontecem de fato se eu, depois de ler a Bíblia, fizer alguma coisa com aquilo que compreendi; se eu, ao ir pra celebração, fizer alguma coisa com o impacto que o louvor e a mensagem tiveram sobre a minha vida; se eu, ao ouvir o pastor, alterar meu comportamento; se eu, ao orar, o fizer com entendimento e sinceridade. As coisas só acontecem quando eu, refletindo, mudar de comportamento na prática, fizer de coração. Não são simplesmente as "coisas de Deus" que me mudam - eu mesmo sou uma "coisa de Deus" e mudo de dentro pra fora. Eu sou o Templo do Espírito Santo, eu sou Igreja, eu sou um sacerdote diante do Pai e através de Cristo. São os paganismos que pregam que o simples contato com objetos, lugares e pessoas me aproxima da divindade - no cristianismo a divindade, Cristo, se aproxima de mim e me habita apenas no ato individual de crer e se entregar. Deus está dentro, não fora. Tenho certeza absoluta que, se a igreja brasileira entendesse realmente o que isso significa, não estaríamos tão voltados pra dentro de nós mesmos, achando que os não-cristãos precisam chegar até nossos lindos prédios, livrarias, pastores e celebrações para encontrar Deus. Se todos compreendêssemos que a Palavra de Deus, que é Cristo, está em nós para ser lida pelos outros, estaríamos mais voltados para fora do que pra dentro, vendo tudo da multidão, não isolados no gueto - e, ao nos voltarmos pra fora, não o faríamos com o intuito diabólico de pecar, mas pelo simples desejo de procurar pelos perdidos.
Que isso, como conclusão, fique entendido: não permitamos que nossas facilidades como igreja interrompam nosso crescimento, não permitamos que haja um esforço maior por facilitar a leitura da Bíblia em vias literárias do que em tornar a Bíblia legítima e legível através de nós. Rompamos com as barreiras sincréticas, com os caprichos emocionais, intelectuais e carnais que penetraram em nossas congregações. Deixemos de ser só liturgia, ritual e encontro. Entendamos, com a árdua leitura e com um relacionamento nobre e sincero com Deus, tendo-O como Senhor, mas também amigo, o que realmente é o cristianismo e, assim, procuremos, com o todo o esforço necessário, transcrevê-lo na prática para os não-cristãos. Sejamos livrarias cristãs ambulantes! Não existe maior defesa da fé do que o seguir de uma fé coerente, não existe maior louvor do que viver louvando a Deus através de nossas atitudes, não existe maior ajuda do que amar e ajudar aqueles que encontrarmos. Que a igreja brasileira, unida pelo Espírito Santo, se desfragmente, finalmente, em dezenas de milhões de igrejas ambulantes, de Bíblias andantes, vivas e ativas dentro das escolas, universidades e empresas, no trânsito, nas praças e nas igrejas (sim, nas igrejas). Que a igreja brasileira saia de si mesma e seja milhões de igrejas, sim! Milhões de igrejas e Bíblias que se encontram aos domingos e nalguns outros momentos da semana, mas que são ainda mais úteis nos demais dias da semana e mediante aqueles que realmente estão precisando entrar em contado com a Igreja e com a Bíblia. Se mais cristãos conhecerem a Bíblia e encarnarem a palavra em seu cotidiano, agindo com a consciência de que serão vistos e seguidos (imitados) por outros, certamente os próprios problemas da instituição cristã no Brasil serão solucionados (pelo menos a maioria). Sejamos cristãos menos românticos, menos "doutro mundo" - sejamos mais realistas, mais acessíveis. Que o nosso zelo seja mais racional, mais bíblico, que parta de um relacionamento íntimo com Deus. Aí também será mais fácil mudar o Brasil.
Não façamos uma igreja de frustrados, que se sentem menos cristãos porque são menos prósperos; não criemos uma igreja de espetáculos, que não promove nada além de um show de talentos e poderes espirituais, com farta pirotecnia, luzes e sons; não façamos da igreja um clube, um mercado, uma passarela, um circo. Façamos de nossa igreja pessoas. Sim, uma igreja que é gente, gente de verdade, uma igreja de pessoas que são igreja, de pessoas que realmente abriram as suas vidas para a entrada e habitação de Cristo e que, revestidas do Filho, estão nesse mundo construindo a Eternidade - pessoas que preferem viver Cristo e que colocam o Seu interesse acima das limitações impostas pelo emaranhado de tradições, culturas e teologias que as cercaram nos antros eclesiásticos. Cristão não é quem divulga um folclore, uma filosofia de vida, um conhecimento apenas, é aquele que divulga Jesus, uma pessoa real, o Jesus de quem se reveste e por quem é habitado. Quanto tempo ainda teremos que esperar para que os cristãos do Brasil, em sua maioria, realmente aceitem o chamado de Cristo quanto ao verdadeiro cristianismo?
Natanael Pedro Castoldi
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