De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; pelo contrário, nós fomos testemunhas oculares da sua majestade. 2 Pedro 1:16

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Lago Trevoso

Um reino escandinavo é duramente atacado por um ogro poderosíssimo e um herói é chamado para matá-lo, fazendo-o com maestria. Porém, a mãe do monstro passa a buscar vingança e tal herói ruma para seu covil, no interior de um pântano, afim de pôr um fim nessa história. É até aqui que quero chegar no relato breve de uma das lendas mais antigas escritas no inglês arcaico, Beowulf -tenho a versão editada pelos gaúchos Carmen Seganfredo e A.S. Franchini. Quero, na seqüência, relatar parte do acontecimento do pântano, que me deu agonia quando li, escreverei aqui partes íntegras dos capítulos que o envolvem, afim de fazer uma analogia com nossa realidade:
"O pântano tornava-se um lugar cada vez mais nefasto e assombroso. Os galhos imensos e desfolhados das árvores entrelaçavam-se de tal modo ao alto que a luz desaparecia até quase converter tudo em uma única treva. Os guerreiros, por força disto, viram-se obrigados a ascender seus archotes substituíndo a luz do dia pelos seus pequenos sóis portáteis. (...) através dos lodaçais nevoentos (...). O ar parado e o odor gélido da morte enjoava e arreiava os cavalos (...). Uma bruma gélida começara a tomar conta do solo, envolvendo-se nas patas das montarias como serpentes esfumadas a ponto de fazer a paisagem parecer quase irreal."(...)
"(...)o lençol espesso de bruma, expondo um solo repleto de buracos e depressões na gosma verde e lamacenta, enquanto, montado sobre eles, os homens tinham de lutar contra os cipós encharcados de uma barba fria e pegajosa.(...) Beowulf, por sua vez, estava mais atento às vozes que pareciam cruzar ao alto, bem acima de sua cabeça, como se os espíritos das trevas estivessem a confabular algo acima do teto de galhos entrelaçados."(...)
"(...)-Como chamam isto de lago?-disse Hrothgar, com um muxoxo de escárnio. -Um poço infernal, eis o que é!

Como um grande espelho negro e movente, tal era o poço que servia de esconderijo a Grendel e sua pérfida mãe. Repleta de detritos a boiarem na superfície, sua água tinha a viscosidade do óleo. Do alto de uma escarpa descia um jato escuro de água, trazendo consigo pedaços soltos de vegetação apodrecida do pântano, além de dezenas de cadáveres de animais pequenos e outros maiores, como se algum cozinheiro infernal estivesse permanentemente a acrescentar novos ingredientes à sua sopa amaldiçoada. Na verdade, Hrothgar tinha razão ao dizer que aquilo que todos viam se assemelhava pouco a um lago. Era mais um enorme poço, negro, denso e malcheiroso, cercado por uma espuma espessa, feita de linfa animal apodrecida. Perto deste, os demais charcos não passavam de pequenas e inofensivas poças de água, habitadas por seres singelos como sapos e cobras d'água."(...)
"Beowulf caminhou decididamente até a orla do palude nauseabundo. Pequenas labaredas erguiam-se em pontos esparsos da superfície, produto da fermentação contínua da matéria orgânica, iluminando o cenário sinistro com pequenos e repetidos relâmpagos. O geat (...) pôs-se a estudar-lhe a profundidade. Pelo adensamento e movimento que a água fazia na superfície, intuiu que a parede submersa descia a uma profundidade incalculável."(...)

"Antes de mergulhar, Beowulf fez um breve discurso ao rei, pedindo-lhe que honrasse seu nome, caso ele não pudesse retornar das profundezas do abismo infernal." (...)
"O geat mirou uma última vez, sem qualquer destemor, o abismo no qual estava prestes a se engolfar. Vestido em ouro e prata, o herói preparava-se para afundar na sentina do mundo.
Beowulf pulou e, num piscar de olhos, as águas negras fecharam-se sobre o brilho da sua armadura.
Os círculos de água ainda ficaram se produzindo por um bom tempo sobre as águas negras do lago depois de Beowulf ter mergulhado nelas para ir enfrentar a fera que habitava o abismo." (...)
"Depois viu o herói descendo às profundezas do lago para realizar algo que o tempo iria se encarregar de tornar tão grande quanto aqueles círculos perfeitos e infinitos que o seu mergulho havia dado origem."

"Segundo os bardos e cronistas, Beowulf esteve a descer nas águas pútridas durante um dia inteiro. Embrenhou-se por entre águas repletas de seres totalmente alheios À espécie humana e que não pareciam nutrir por ela a menor simpatia (a não ser, talvez, aquela forma pouco convidativa, associada ao apetite). Estas criaturas, entretanto, estavam ocultas por uma verdadeira floresta de algas e liquens e, mais que tudo, por uma treva que mais e mais se adensava à medida que o herói se afundava no lago. Uma calma opressiva pairava ao redor. De vez em quando, uma pequena horda de estranhos animais aproximava-se, roçando o corpo de Beowulf, dando-lhe a impressão claustrofóbica de estar sendo enredado ou conduzido por um túnel hermeticamente fechado.

Mas que tais seriam estes seres?
Havia-os de diversas classes, formatos, tamanhos e cores. Alguns semelhavam-se a grandes mamíferos obesos, como leões-marinhos, mas sem serem, deveras, leões-marinhos. Seus focinhos alaranjados lembravam o das antas e cutias, sem serem, deveras, os focinhos de antas ou cutias. Os olhos, por sua vez, eram totalmente redondos e desprovidos de quaisquer pálpebras, como os de seres votados à perpétua insônia. (...)
... Outros animais, ao contrário destes, eram esguios como serpentes, embora tivessem cabeças extraordinariamente pronunciadas. Estas cabeças eram dotadas de duas enormes nadadeiras laterais, que davam ao estranhíssimo ser a aparência de possuir duas orelhas gigantescas. Não possuíam olho algum, entretanto, mas duas longas antenas recobertas de pilosidades negras em toda a extensão, a se moverem o tempo todo, como a captarem o menor movimento no elemento líquido. Uma terceira classe de seres - para ficarmos na última das centenas de outras que Beowulf viu (...)- apresentava-se de maneira mais insólita que seria dado a um homem imaginar. Vista de longe a criatura já era enorme. Possuía todos os membros identificáveis com os do corpo humano, acrescidos, porém, de cerca de quinze outros absolutamente desconhecidos de nossa anatomia. Seria um homem-mais-que-homem ou, antes, uma sua amplificação bizarra. Beowulf nunca sentira-se tão tentado a sacar sua espada como no momento em que vira a criatura crescer desumanamente. Mas o que mais o surpreendera fora vê-la desmembrar-se em um milhar de outras pequenas criaturas, não compondo, assim, o multifacetado ser uma verdadeira unidade, mas um bando cerrado de milhares de criaturas perfeitamente autônomas, que o instinto fazia, quando exigido, unirem-se num mural artificialmente uno."
A viagem de Beowulf segue tão horripilante quanto já fora descrita aqui, mas até esse ponto basta. O que é preciso saber da seqüência é que Beowulf acaba sendo levado a uma gruta submersa repleta de riquezas e morada da mãe de Grendel, o seu pior inimigo.
O agonizante acontecimento tem muito com a realidade, mas referida ao espiritual, em especial. Eu vejo o mundo como o Lago Trevoso, toda uma humanidade está mergulhada nessas águas intermináveis, é o tesouro oculto na caverna submersa, completamente sufocado, enegrecido pelas trevas e cuidadosamente vigiado pelo mais terrível monstro. O cristão tem mais sorte, está onde a luz, o fogo da tocha, pode existir, está fora do Lago, mesmo ainda não estando na absoluta luz do Pai, pelo menos está caminhando na superfície do pântano...
... Mas, como Beowulf mergulhou, após saber que existe uma realidade melhor do que a do Lago Trevoso, devemos tomar coragem e, vestidos de "prata e ouro", nosso Deus, mergulhar para onde estão que agonizam. É aqui que o mundo espiritual se atiça.
À princípio eu queria escrever sobre o mundo espiritual e seus habitantes, o Lago Trevoso me veio na hora. Quando eu li no livro, realmente fiquei com agonia. Imaginei o sufoco de estar sem respirar, mergulhado num mundo cheio de trevas e seres insólitos. O interessante é que, apesar de cutucado, Beowulf, de forma alguma, fora mortalmente atacado pelos seres gigantescos, assim somos nós que, simplesmente, não podemos ser abatidos pelo Inimigo, que apenas deseja nos amedrontar. Beowulf, de forma alguma, deixou o medo ser forte o suficiente para perder o fôlego e prosseguiu para o fundo daquela cratera abissal, lá estava o cenário de sua missão e deveria cumprí-la.
Bom, o enfoque dessa postagem está nas criaturas e no Lago. Se eu fosse usar uma passagem que exemplificasse o que consigo reproduzir do mundo espiritual, que mais se assemelha ao que imagino, ao que penso que veria caso meus olhos fossem devidamente abertos para uma realidade visível dele, usaria a passagem citada. A profundidade do relato, os adjetivos do cenário e das criaturas, em muito condiz com o que concebo de mundo espiritual e seus habitantes.
Quando comecei a ter mais experiências espirituais, refleti muito sobre o assunto. Confesso que fiquei com nojo de ter sido tocado por demônios, como já disse numa postagem. Pensar nessas criaturas decaídas me dá repulsa e estimula a cada vez mais repelí-las.
Eu fui salvo por Cristo, ele me tirou do Lago Trevoso, me ensinou o caminho de saída e hoje volto, bem preparado, para dentro dele, afim de levar a palavra que me salvou para outros que jazem. Hoje eu estou no mundo, no Lago, e, sabendo disso, não posso, de forma alguma, fazê-lo sem a devida armadura, sem o devido fôlego, sem a devida coragem e determinação. Caso falte-me armadura ou, pelo medo de afogar, agite-me em demasia, os seus habitantes gigantescos podem abocanhar-me e levar-me mais fundo do que outrora estive. Jamais gostaria de beber, no desespero, dessa água pútrida.
É isso que me deixou com repulsa e me deixa até hoje: os demônios têm lá sua dezena de milhares de anos, imagine a podridão de sua natureza de tão largo período de pecado e distância de Deus. Imagine então, ou não, que atos terríveis já cometeram ou estimularam, todos eles. Pior ainda, pense nas suas intenções, na maldade que levam consigo e no que querem te tornar -lembre-se de que eles são "seres", não "forças". Isso, pra mim, é um grande estímulo para manter-me forte e não deixar que tomem liberdade em relação à minha vida. Sem dúvida só querem destruir-me, humilhar-me sem medida, tornar-me sujo como eles... e condenado eternamente, assim como eles o são. Não compreendo como há cristãos que, mesmo sabendo disso, aceitam a condição de "meio cristianismo", "um pecadinho aqui e ali", deixado-se expostos ao Mal dentro de terras que ele domina! Isso é perigosíssimo!
A questão é: antes, sim, ser atacado volta e meia por estar se aproximando do "tesouro humano" no fundo do Lago, do que não ser atacado, mas estar completamente afogado e inerte nas águas pútridas, que, há milênios, apodrecem sem interrupção. Tenhamos piedade dos que jazem nesse ambiente tenebroso... não deixemos a náusea nos tomar e mergulhemos para tirá-los do fundo onde estão ancorados, sem realmente compreender a imundície em que estão metidos. O pior não é o local onde estão agora... O pior vem depois, quando o tempo de os resgatarmos terminar, quando virá a condenação eterna no Inferno.
Pense também no Inferno: ele não é terrível porque Deus o criou cheio de armas de tortura. Ele é terrível, pois Deus criou-o para servir de "recinto" aos que não querem viver com Ele, aos que não O aceitam. Assim como o Inimigo é tão terrível, pois, distante da glória de Deus, tornou-se o completo oposto da perfeição do Pai, o Inferno o é: completamente avesso à todos os atributos maravilhosamente benignos de Deus, -por isso- o Inferno só pode ser o lugar mais terrivelmente repulsivo e ardente de todos. Quem não quer viver na glória de Deus, tendo livre arbítrio para tal, então "viverá" num local onde não há traço algum da glória e dos atributos dEle, o que, por si, torna tal local insuportável, maligno.
... Pensemos nisso! Não merecemos a salvação, mas fomos salvos, então tenhamos a vergonha na cara de levar a Boa Nova aos que ainda não a conhecem!! Já lhe passou pela cabeça a possibilidade de um amigo teu morrer amanhã sem ter conhecido a Deus por culpa TUA, pela tua omissão, e, dentro de algum tempo, estar gemendo na pior tortura imaginável? Além do que podemos imaginar? Se tu não professa a fé que salva, então não ama teus amigos, muito menos a Palavra. Se tu não amas a Palavra, tu amas teu Deus? EU NÃO CONSIGO NÃO AMAR O SENHOR DO UNIVERSO! Mas amo o suficiente?
Natanael Castoldi

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