"Anticristianismo cristão"

Não, simplesmente não consigo deixar alguma dúvida acerca de minha fé prevalecer. Quando vim para o curso de teologia, uma das minha metas era achar uma resposta definitiva a um paradoxo bíblico de séculos: Deus predestina apenas alguns? O homem tem real livre-arbítrio para escolher? É possível perder a salvação? Eis as questões. Será que sou pretensioso demais? Ousado? Ou será que, pelo fato de ter sido essa questão colocada, outrora, como paradoxo inexplicável, a maioria deixou de pensar sobre ela? Ao que me parece, há alguns assuntos proibidos na teologia, daqueles que os próprios teólogos preferem evitar encontrar a resposta. Mas como sou curioso e não sou teólogo, vamos ver o que se pode fazer com o material de que disponho, minha mente livre e um pouco de filosofia.

Para mim, a idéia de um cristão errante e extremamente podre espiritualmente, não perder a salvação outrora recebida, é incômoda. Conheço pessoas que um dia se converteram de verdade, fazendo exatamente aquilo que a Bíblia fala para aceitar a Cristo: crer nEle e considerá-Lo Senhor e Salvador, mas, com o tempo esqueceram-se dessa aliança com o Pai, hoje estão desviadas e, sem dúvida, fadados à desgraça eterna, se não se redimirem. Quem sou eu para questionar se sua conversão fora ou não verdadeira? Ninguém. Mas sei que não houve perseverança nela. "Mas, sendo filho, jamais deixará de habitar na casa do pai", uns podem dizer, mas é aí que estes se enganam. Deus está muito mais para um pai que disciplina, exige respeito e submissão, do que um pai que mima e tenta suprir sempre as necessidades dos filhos, afim de não perdê-los. Sei que, agora com maioridade, se fizer uma grande besteira, meu pai me expulsará de casa (ou eu, tecnicamente, me expulsarei), mas, quando criança, isso não aconteceria pelo fato de estar aprendendo, me moldando e ser em demasia indefeso para me virar sozinho. Dado uma boa olhada na Bíblia, percebo que com a fé cristã não é muito diferente, vide a Parábola do Filho Pródigo - que também nos mostra que há chance, mesmo depois de "se expulsar de casa", de voltar ao lar e ser aceito. Lucas 15.

A minha grande questão ao abortar este assunto delicado se dá pelo fato de eu estar vendo a igreja cristã morrer na mornidão, uma corja de preguiçosos, folgados, vaidosos, que, crendo não haver possibilidade alguma de perderem a salvação que garantiram, afundam nas poltronas dos templos, a vida cristã se resume em besteiras fúteis, fanatismo insano, legalismo infundado, uma caminhada cristã circular, sem crescimento, o pastor é aquele que lança o milho e o povo compreende os pombos, que só ingerem aquilo que o líder lhes dá. Estando "salvo", ou achando estar, o indivíduo perde o temor e vive um cristianismo antropocentrista, a igreja deixa de ser o Corpo de Cristo para se tornar um empreendimento financeiro, uma boate, um bazar, uma casa de troca, um cassino, uma bolsa de valores "cristã". Ali Deus é ridicularizado, feito o zelador que limpa toda a sujeira, tachado de ladrão ganancioso, que exige dinheiro em troca de bênçãos ou o mordomo, que não faz mais do que a obrigação ao servir. Onde as coisas irão parar? Os cristãos de hoje mal sabem que é Deus, com quem estão brincando!

Indignado, assim que apareceu um trabalho de análise avançada de versículo e confecção de uma mensagem para a turma, escolhi analisar uma passagem relacionada ao tema citado, afim de que eu conseguisse firmar uma opinião mais forte sobre o assunto. Trata-se de 1 João 2:28: "E agora, filhinhos, permanecei nele; para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança, e não sejamos confundidos por ele na sua vinda."

Movido por uma sede pela resposta mais sóbria, comecei o trabalho analisando essa e outras passagens em comentários bíblicos, além de conferir no dicionário o significado da palavra-chave, do fundamento de todo o estudo, "permanecer":

Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa

Permanecer: 1-Continuar a ser ou ficar; conservar-se. 2-Persistir, perseverar, insistir. 4-Continuar existindo; durar; existir.

João 8:31. Comentário Bíblico Broadman, 9, pag 341, parágrafo 1: “o próprio Jesus aceitou a fé do verso 31 como condicional. Estes crentes só seriam verdadeiramente seus discípulos se permanecessem em sua palavra.”

O Novo Testamento Interpretado, Russell Norman Champlin, 2, pag 409: “1. Muitos que tinham crido, posteriormente retrocederam. Teriam sido crentes autênticos, no sentido evangélico? Não é provável. A regeneração nos dá a capacidade de perseverar.

2. Alguns trechos bíblicos antecipam a possibilidade de apostatar, como Hebreus 6:1-6.

3. Parece que temos, em Colossenses 1:23, uma declaração sobre a possibilidade do desvio.“

Colossenses 1:23, ONTI, pag 105, 5: “(...) uma advertência real, aos crentes de Colossos, que corriam o perigo de serem enganados por falsos mestres. (...) Corriam perigo real de apostasia, de perderem aquilo que tinham obtido em Cristo. Essa é a única interpretação honesta e que faz sentido, ante esta passagem. A interpretação calvinista aberta faz essa advertência tornar-se inútil, pois não haveria perigo real, mas apenas uma hipótese. Mas, há trechos bíblicos como Heb. 6:4-6; 10:36-39; II Ped. 2:20-22 e 1 Cor. 9:27 que mostram que há perigos reais de apostasia moral e espiritual >doutrinária<, com que os crentes se defrontam. Um homem pode ter um credo ortodoxo, mas isso não o salvará; ele precisa de uma >vida ortodoxa<, prova que Cristo vive nele. Essa experiência que deve permanecer, para que o cristianismo de uma pessoa seja válido.”

João 6:56. CBB, 9, pag 324, parágrafo 2: “quem come a minha carne e bebe o meu sangue é outra forma de dizer aquele que se alimenta de mim” - Palavra minha: no versículo Jesus diz que quem se alimenta dEle, permanece nEle. Conheço "cristãos" que se alimentam do "mundo". E então, como fica? Deixam de permanecer!

ONTI, 2, pag 369: “A idéia de permanecermos em Cristo, e ele em nós, é tipicamente joanina, que também pode ser vista em João 15:4; 17:23; 1João 2:6, 27, 28; 3:24 e 4:5, 12, 16.”

Atos 11:23

1 João 2:28. CBB, 12, pag243, parágrafo 1 e 2: “O crente que permanece nele, isto é, em Cristo, vive diariamente uma vida regulada pelos critérios propiciados pela vida e pelos ensinos de Jesus. (...) Com estas palavras, somos lembrados da advertência de Jesus” Marcos 8:38.

“Se sabeis que ele é justo é uma condição cumprida por aqueles que permanecem em Cristo; eles sabem, sem sombra de dúvida, que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele. Não precisa haver nenhuma objeção à conclusão de que o autor está falando de nascer de Cristo aqui. O contexto exige esta interpretação.”

ONTI, 6, página 252: “... permanecei nele...’ Novamente é salientada a necessidade de permanecermos em Cristo, como aquilo que nos resguarda do erro (...) Se verdadeiramente temos comunhão com Cristo, estaremos preparados para nos encontrarmos com ele, pois nossas vidas serão limpas e bem preparadas.”

I, II e III João, Introdução e Comentário, John R. W. Scott, pag 100: “A prova moral vem primeiro. A prova de que uma pessoa é cristã não é meramente a ortodoxia, mas também a conduta reta. (...) Comportamento incorreto é inimaginável no cristão que captou o propósito dos dois aparecimentos de Cristo.”

Com base nessa breve pesquisa, formulei a seguinte mensagem:

Perseverança em Cristo:

O que você pensa sobre a vida cristã? Basta dizer ser cristão e nada mais fazer ou é necessário sair da zona de conforto e se mexer?

Antes de tudo, deixo claro que tocarei num assunto complexo e delicado, que é a perda ou não da salvação. Falarei da possível perda, como viável realidade cristã para a qual é bom que abramos os nossos olhos, afim de não apostarmos nalgo porventura errado e pagarmos caríssimo por isso. “A viagem mais escura é aquela em que se caminha de olhos fechados."

1 João 2:28.

O verbo “perseverar” está no infinitivo, indicando uma ação voluntária e constante. Folgando-se, o cristão deixa de perseverar. O versículo relata uma condição: “perseverar para ser achado em Cristo”. A não perseverança, então, implica em não ser achado em Cristo. Reparem que quem “deixa de perseverar”, antes, obrigatoriamente, perseverara, já que não se para de fazer algo que nunca se fez, ou seja: saiu de um ponto em que estava sendo achado em Cristo, para o inverso.

Analisando um comentário bíblico vi a relação da passagem de 1 João com a repreensão de Jesus em Marcos 8:38, condenando os que se envergonham da fé cristã.

Perseverança em Cristo é manter a busca por seu caráter, vivendo, como ele, uma vida reta e boa. A continuidade na depravação, nalgo incorreto, é incompreensível para um cristão que realmente conheceu o amor e os propósitos de Cristo. Um gradual desvio de conduta mostra o desconhecer desse grande amor e, logo, o abandono do Evangelho e seu Mestre. Após a conversão deve haver, no cristão, desejo de mudança e crescimento, mesmo que seja principiado com disciplinas dolorosas. O Espírito Santo instiga essa mudança, tal crescimento em semelhança com Cristo. Quem nega a mudança, o crescimento inexiste, não há princípio de “perseverança”. Quem se porta assim nega o Espírito Santo, nega Cristo. CS Lewis disse:

“Mera mudança não é crescimento. Crescimento é a síntese da mudança e continuidade e onde não há continuidade, não há crescimento.” O que nos é crescimento? O gradativo frutificar do cristão perseverante.

Vale lembrar que quem não pratica aquilo que se prontificou a fazer, não passa de um hipócrita vaidoso. Jesus odiava os hipócritas, vide Lucas 11:37-44. Quem, na igreja, pode ser tido assim? Todo o cristão que diz servir ao Deus Eterno, mas, antes, prostra-se a si mesmo, valorizando-se mais do que ao Criador, aquele que não busca comunhão com Deus, aquele que vive um cristianismo confortável, não persevera na mudança, no crescimento, esse não é cristão de fato, não vive de forma reta e justa, já que mente deliberadamente com sua postura. Se não for como um “pequeno Cristo”, não será achado em Jesus na sua vinda.

Jesus diz que “estreita é a porta e apertado o caminho que leva à salvação”. Se ele fala em caminho, certamente refere-se a uma viagem inteira! Refere-se a movimento! Ele, pela graça, nos deu algo que não mereceríamos e que jamais conseguiríamos por nossas forças e méritos: passagem pela porta, ele mesmo, que nos abre o caminho que leva ao Pai, mas aqui, depois da porta, entram as nossas pernas: um caminho serve para ser caminhado! Já estamos a salvo além da “porta”, basta perseverar no “caminho”!

O cristão que não se mexe, não dá fruto, não é cristão de fato, em Cristo, pois, se fosse, o daria. Esse tipo comum de cristão problemático é facilmente encontrado nas parábolas de Jesus:

Parábola dos Talentos – Mateus 25:14.18-19.24-25.30. Parábola dos Dois Servos – Mateus 24:46-51. Parábola das Dez Virgens – Mateus 25:1-3.8-13. Parábola dos Dois Filhos – Mateus 21:28-31. Parábola do Homem e da Vinha – Mateus 21:43. Parábola das Bodas – Mateus 22:9-14. Parábola do Semeador – Mateus 13:2.5-8.20-23. Parábola do Joio – Mateus 13:24-30. Todas as parábolas falam do ócio ou desconsideração, do cristão que não produz fruto, sendo como a virgem que, tendo a lâmpada, não a abastece; o servo que, tendo a moeda, não lucra; o filho que, tendo a enxada, não vai ao campo trabalhar. A conversão dá o equipamento, mas o trabalho do cristão com ele, o fruto. O cristão sem bom fruto é cristão sem Cristo, está mal trajado nas bodas e será condenado; como o joio, mais atrapalha do que ajuda, por isso será queimado. Mateus 7:19; João 15:1-8.

Estejamos atentos! A vida cristã não é brincadeira! Deus que ver em nós interesse, dedicação, valorização, devoção, sacrifício, compromisso! Ele não é bobo! Mostremos ao Pai o quanto queremos estar com Ele. Não arrisquemos!

Não, obras não salvam, são conseqüência natural da fé genuína. Se você não as pratica por não sentir vontade, tua fé é verdadeira? O que te acontecerá se morrer assim?!

Natanael Castoldi

Dallas Willard um dia disse algo como: "A Graça nos salvou, mas também nos paralisou." Eu entendo o que ele falou, mas, analisando bem, discordo. A Graça que nos salva não nos paralisou no ócio, nós mesmos nos paralisamos. Pense bem: será que o cristão "paralisado" é verdadeiramente um cristão tocado por Cristo e salvo? Ao que parece, está longe disso.

Minha Bíblia de estudos fala que a passagem de 1 João refere-se a perseverar no amor de Cristo. Bom, o cristão que deixa de perseverar no amor de Cristo, deixa de perseverar na fé cristã e, logo, é lançado fora da "porta". É conseqüência natural de quem persevera no amor do Pai, trabalhar na Obra e em prol dos caídos. Tiago 2; Mateus 19:16-21; Mateus 25:31-46; Gálatas 5:6. Não sendo assim... Mateus 7:21-23.

Vamos raciocinar: os dois grandes mandamentos são: "amar a Deus de todo o coração e de todo o entendimento" e "amar ao próximo como a mim mesmo". Um cristão tocado por Cristo há de, pelo menos, desejar e se esforçar para amar a Deus acima de tudo e sentir amor pelos próximos, isso, necessariamente, se reflete em obras, já que, amando a Deus, o cristão fará aquilo que Ele pede e, amando ao próximo, fará o que puder para ajudá-lo, confortá-lo. Um cristão que ama-se mais do que ama a Deus e, logo, muito mais a si do que aos outros, despreza o Criador, despreza os irmãos e incrédulos, despreza o cristianismo e, conseqüentemente, despreza a salvação. Quem não ama é anticristão! Vide como esse tipo de cristão, que enche as igrejas, não busca nada além de bênção para si, exigindo isso de Deus, "ordenando-o", não tendo sede genuína por conhecer mais do Pai, por ter comunhão com Ele, tudo sendo movido por interesse, troca. É fácil ver o fruto dessa fé inútil, que indica o quão pouco está em Cristo. Jesus se envergonha desses...

...mas, mesmo assim, continua oferecendo a salvação, como se vê em João 3:16, "Por que Deus amou O MUNDO"(...)"para que TODO aquele que nele crê". Portanto, fique "tranqüilo" que Deus não te "predestinou" ao Inferno, é tua a opção de crer ou não. Mas pense bem, essa história de negar o sacrifício de Cristo e o Espírito Santo é perigosíssima! Hebreus 6:4-6.

Salvação pela predestinação, não podendo ser perdida, ou por livre escolha e passível de perda, é paradoxo bíblico? Creio que há uma falha de interpretação, falta de simplicidade e razão da maioria que assim o considera. Não vejo essa situação como paradoxal, parece-me mais como um sábio jogo de palavras de Deus para o homem, afim de testar-lhe o caráter, vendo como se porta mediante uma interpretável situação de conforto.

É isso. Espero ter assustado e deixado indignada uma boa parte dos meus leitores, também espero que essa mensagem surta algum efeito além do espanto. Há, ainda, algumas questões sobre a pré-ciência de Deus e etc, mas isso deixaremos para mais tarde. Para finalizar, cristão: crendo ou não na perda da salvação, aconselho-te a viver com a idéia de que ela é uma possibilidade muito bem respaldada pela Palavra. Não, por umas frescuras humanas, por vaidade, orgulho, prazeres insanos, não vale a pena arriscar a eternidade!

Que fique a mensagem de Romanos 8:9 e 13-14, para finalizar. É fácil discernir quem está salvo ou não, vivendo a Nova Vida ou na Carne, basta ver o que faz, independente do título de "cristão"!

"Entretanto, vocês não estão sob o domínio da carne, mas do Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo.

Pois se vocês viverem de acordo com a carne, morrerão; mas, se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus."

Natanael Castoldi

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