Bom, talvez você esteja se interessando pela seqüência de postagens mais teóricas, afim de, com sorte, alicerçar melhor a fé, mas é possível que esteja enjoado de filosofar comigo e esperando algo mais prático - se este for o caso, "Na montanha" encontrará uma série links para outras postagens, se não for, me acompanhe no desenvolvimento de minhas idéias sobre outro assunto complicado de ser compreendido, mais do que o Deus Criador e Trino: o Filho.
A Trindade, formada por 3 "Pessoas" independentes, mas totalmente ligadas, possui uma "pessoa" em especial que merece atenção por ter uma natureza diferente, formada por dois aspectos: humanidade carnal e espírito divino. É essa natureza ímpar que o torna mais complicado para a compreensão... até porque, definir o Logos da Criação usando do próprio logos -"palavra"- parece uma tarefa paradoxal. Eis algumas questões que incomodaram os teólogos e que geraram hereias ao longo dos séculos:
1-Como pode Cristo ter sido homem e Deus ao mesmo tempo?
2-Quando sacrificado, morreu só a sua humanidade? Houve impacto em sua divindade?
A primeira questão precisa de uma resposta positiva, pois se não fosse homem, Cristo não teria experimentado a vida humana de maneira suficiente, não poderia ter vivido com santidade em nosso lugar, não teria valia seu cumprimento total da Lei por nós - pois a Lei foi feita aos homens -, tampouco, parece haver sentido na morte de cruz se não fosse um homem, pagando o preço do pecado humano e nos substituíndo da pena e, quanto à ressurreição, não sendo humano torna-se difícil crer que a vitória sobre a morte se aplica aos homens. Da mesma forma, Cristo precisa ser divino, pois o cumprimento total da Lei por um mero homem não faria diferença na humanidade inteira, a vida totalmente santa de um homem comum não se aplicaria à vida de toda a espécie humana - seria apenas um bom e mero homem tremendamente temente à Deus. Da mesma forma, o comum sacrifício de um homem, por mais puro que fosse, não alteraria em nada a humanidade, apenas um homem divino, com poder para tal, faria efetivo esse sacrifício e conseguiria, posteriormente, ressurgir da morte - é necessário ter sido gerado por Deus em Maria, para, não herdando o pecado de Adão, poder reverter o seu efeito. De qualquer forma, só Deus tem o poder de nos salvar e regenerar, mas só um homem poderia pagar o preço da culpa humana. -Leia mais na postagem "A Razão".
Antes de tudo devemos considerar a divindade de Cristo, com base na postagem anterior -Inescapável- e na evidência manuscrita mais antiga: quase a totalidade dos documentos dos primeiros séculos d.C. que citam Jesus, o citam como um homem, no mínimo, espetacular -"Espantosas letras", "Sucessão religiosa" e "Desafio profético". A idéia de que Jesus era um cara comum, simplesmente não tem fundamentação histórica. Partindo do ponto de que Cristo é Deus, devemos considerá-lo, portanto, anterior à Criação e, então, analisar sobre a sua natureza divina:
Há duas opções, já analisadas na postagem anterior: Cristo é eterno, coexistente eternamente com Deus Pai e Deus Espírito Santo, na figura do Deus Filho, ou, sendo Filho literal -não apenas segundo a sua função-, ter sido gerado pelo Pai, e tanto uma quanto outra têm coerência. Como a questão do Eterno não precisa ser explicada, vou falar sobre o que concebo quanto ao "gerado", como já escrevi anteriormente: segundo minha análise, há 2 tipos de formas com que Deus cria, concebendo que o que se cria não faz parte daquele que criou: algo genuinamente espiritual e algo físico -ou mesclado. Sobre o genuinamente espiritual não há grandes informações, mas imagino que não tenha sido difícil para Deus, numa realidade espiritual, ter criado, com Suas próprias mãos, seres espirituais, desapegados de corpo físico e, também, independentes dEle. Sobre os seres carnais temos na Bíblia relatos vastos, mas que não variam o raciocínio já exposto, pois, ao que parece, foram feitos de maneira não tão diferente da dos celestiais, mas com o atributo material -em relação aos corpos celestes e outros objetos inanimados, obviamente com a face material representando a totalidade do ser. Nos que se movimentam, há um sopro de vida. -O homem é tido como parte destes dois processos: corpo físico e vasto corpo espiritual.-
Nisso compreende a Criação: seres espirituais, seres totalmente materiais e seres com com algum fôlego de vida, destes o homem é o mais especial, pois recebeu, somente ele, o sopro de Deus nas narinas, que designaria o espírito. Todas as coisas que são feitas por Deus compreendem a Criação, mas é possível o Pai ter originado algo que não criou e que, logo, não é Criação.
O Filho, segundo se lê em João 1:18 é o Unigênito de Deus, que significa, ao pé da letra, o único gerado de Deus. A implicação disso é que O Filho veio à Luz, não existindo pela eternidade passada, mas gerado, formado em e de Deus. Se Ele é o único gerado de Deus, então a Criação se diferencia, não sendo gerada, mas, como se diz, criada. Aqui encontram-se duas formas de algo vir de Deus: criado e gerado. O gerado indica que Deus gerou Deus, assim como o homem gera o homem, o gerado é aquilo que vêm do outro, não que é feito pelo outro. Uma definição que formulei no artigo "Inescapável" se define assim: criar significa produzir, através de uma ação, algo diferente de si mesmo e gerar significa produzir, naturalmente, como a si mesmo. Mas como isso é possível, se tanto o criado como o gerado vêm da mesma fonte? A diferença está no cenário: Deus é absoluto e interminável, feito de si mesmo, imaterial - transcendente- e eterno, não em um lugar, mas em si, sendo Ele o próprio lugar onde Ele "está" -Deus está em si mesmo, pois não há nada maior do que Ele. Esse tipo de visão torna Deus, em Sua plenitude, incompatível com qualquer outra coisa que não seja Ele, pois Ele é o Absoluto e nada pode partilhar do mesmo espaço, nada está nEle e Ele não está em, dentro de, nada. A Criação não pode ter ocorrido, portanto, onde Deus habita -em Si mesmo-, mas numa dimensão à-parte, onde Deus está em Sua onipresença, mas não em total plenitude, ou seja, onde Deus se vê imanente - não transcendente. Como isso poderia ocorrer? Deus, sendo tudo onde está, ao criar qualquer coisa que não é Ele, automaticamente o faz no lugar onde Ele não está em plenitude -esse "lugar" é resultado automático do "criar". Há lugares, mundo espiritual e material, à-parte de Deus na total plenitude, mas com Sua presença imanente. Nesses lugares, à-parte de Deus, nada que for a plenitude de Deus pode ser totalmente pleno. Nesses ambientes, o que sai de Deus, a Sua obra, é totalmente criada, feitura de Suas mãos.
Agora, "onde" Deus "está", se algo surgir, só pode ser totalmente Deus - Cristo, gerado de Deus, Luz da Luz, não criado, como Filho, como Deus, só podia estar onde Deus é pleno. Não confunda: Deus, em situação transcendente ou imanente, é sempre TOTALMENTE Deus. Hebreus 1 parece não deixar muitas dúvidas sobre isso, pois fala que O Filho foi "feito" -versículo 4-, "gerado" -verso 5-, que é o "primogênito" -verso 6- e no versículo 5 dá uma idéia de "tempo", de "evento".
O Filho parece ter, desde O Princípio, desde antes da Criação, uma "capacitação" para a criação material, pois é o que vemos em João 1: todas as coisas foram feitas através dO Filho e, sem O Filho, nada teria sido feito -Colossenses 1:17. O próprio capítulo citado (João 1) fala do "Verbo" virando carne e habitando entre os homens carnais. Parece uma interessante explicação: O Filho, por ter sido o "princípio ativo" da Criação, naturalmente seria aquele que, feito em carne, desceria ao mundo para promover a remissão dos pecados humanos. Eu sugiro ainda que, sendo o herdeiro da Criação e para quem tudo fora criado -o primogênito é o herdeiro e o "sem Ele nada teria sido feito" indica uma motivação-, tenha sido o próprio Deus em corpo no Éden, talvez nalguma teofanias do restante do Antigo Testamento e, por ser o herdeiro da Criação, Aquele que veio ao mundo resolver a parte principal do problema humano, e da Sua Criação - o pecado. Mas isso é tudo interpretação e suposição da minha parte. Pouco sei sobre outras visões.
A questão é que, sendo O Filho, para estar na Terra e ter uma completa experiência humana, Ele teve de abrir mão da plenitude de Sua pessoa (Filipenses 2:5-11; 2 Coríntios 8:9), ou melhor: limitar-se sem diminuir. Como isso se explica? Existe uma velha e ridícula pergunta que os céticos muitas vezes fazem aos cristãos: "Se Deus é onipotente Ele pode fazer uma padra que Ele mesmo não consiga carregar?" A resposta óbvia é: não... mas tem um porém: Ele pode criar algo e limitar-se a Si mesmo em relação a ele, por vontade própria ou necessidade. Talvez tenha sido assim que Deus tenha formado o espaço "vazio" para nele tudo criar -divergindo um pouco da idéia comentada anteriormente, sobre o espaço à-parte de Deus ser conseqüência direta do ato de "criar" algo diferente de Si-, talvez Deus faça isso em relação ao tempo, limitando-se à ele, afim de presenciar a saga humana nesse mundo e para se relacionar de fato com o homem e, muito provavelmente, Cristo o fez, limitando, em corpo humano, a sua onipotência, onisciência e onipresença, para ser, de fato, humano: sentir como humano, perceber como humano, necessitar como humano, sofrer como humano. "Limitar-se" não quer dizer "diminuir", indica o ser "inteiro", mas que, através de um ato voluntário, prioriza mais determinados aspectos e adormece outros - mas todos continuam existindo na totalidade, na plenitude possível ao Deus imanente -o Deus fora do lugar próprio de si mesmo. Veja: eu sei que posso pular determinado muro, mas não o pulo, já que não quero invadir propriedade de ninguém, logo, me limito nisso. Mas pelo fato de eu estar me limitando e não pulando o muro que consigo pular, não quer dizer que tenha perdido minhas habilidade motoras para tal, mas que eu apenas decidi que é melhor não usá-las para esse fim. "Adormeço-as" enquanto, sentado, na frente deste computador, usufruo muito mais doutras habilidades. - Espero que não tenha ficado confuso.
O Filho, totalmente Deus, foi gerado em Maria, segundo seu corpo físico. Para ser totalmente humano, enquanto totalmente divino, O Filho precisava passar por todos os processos da vida, desde a concepção (Mateus 1:1-25, Lucas 2:6-7 e Gálatas 4:4) até a morte. Portanto, nasceu da virgem (Lucas 1:34-35; Mateus 1:18-23 - Isaías 7:14) que, posteriormente, lhe deu outros irmãos humanos. O Filho, totalmente Deus, mas com aspectos de Sua divindade adormecidos, limitados pelo universo à-parte de Deus -não fora de Deus, mas não Deus- e pela sua humanidade comum, parte filho de mulher, pôde crescer como uma criança "normal", sentir como uma criança sente, aprender como uma criança aprende (Lucas 2:40-52; Hebreus 5:8; Marcos 6:1-6). Como se vê, Jesus cresceu normalmente, com profissão, ao lado de outras pessoas. Também, como homem, viu-se limitado fisicamente (João 4:6, 19:28; Lucas 4:2, 8:23; Mateus 21:18) e sentiu emoções tipicamente humanas (Lucas 7:9, 10:21; Mateus 9:36, 26:37; Marcos 3:5; João 2:15-16, 11:5, 35, 13:1).
O batismo de Jesus (Marcos 1:9-11) parece peculiar, caso considerarmos que Ele já estivesse totalmente pleno. O Espírito de Deus desceu sobre Ele - talvez, para ter uma experiência, de fato, totalmente humana, esse era um passo necessário e, também, exemplar. Ali ocorreu a união de 2 Pessoas da Trindade num só corpo, Jesus continuou sendo exclusivamente O Filho, mas o Espírito Santo também agia nEle. O Pai se unia através das intensas orações de Cristo e Sua postura santa.
O homem Cristo, sem pecado, era necessário para fazer o que Adão, originalmente sem pecado, não tinha feito, ou melhor, desfazer o que o "primeiro nascido sem pecado" fez. O "segundo nascido sem pecado", mas "o primeiro homem vindo do céu", viveu a vida totalmente santa e reta que o "primeiro homem nascido na Terra" deveria ter vivido, mas não viveu. Para isso era necessário ser humano. Foi uma espécie de recapitulação da Criação: voltava-se ao "primeiro", afim de vencer o pecado e morte originadas através dele - foi um novo "primeiro", um outro "primeiro", que reverteria o mal originado pelo antigo "primeiro". Mas para, efetivamente, haver tal autoridade nesse homem, ele precisaria ser Deus. -> Com Noé e o Dilúvio foi processo semelhante, mas não tão pleno, já que Noé havia nascido em pecado.
Ok, Jesus era totalmente humano e totalmente divino, mas qual aspecto dominava? É possível conceber o totalmente Deus no homem, mas, nalgum momento, o homem falar mais alto do que o totalmente Deus, sem diminuir nenhum deles, da mesma forma que se vê um iceberg: por mais que apareça apenas em parte, há muito mais submerso e o fato de não estar visível, não quer dizer que só exista a "ponta". E creio que antes da morte, Cristo se via totalmente humano e totalmente divino, mas com a questão divina, totalmente existente, submersa, enquanto o corpo humano pôde ser estraçalhado e coberto pelos pecados da humanidade. Depois da morte, então, com os pecados aniquilados junto com o corpo tomado deles, a parte divina, sempre inteira, mas antes limitada, se revelou na totalidade, se expondo como rocha das profundezas da Terra que, há muito existindo de forma completa, mas oculta, só se faz aparecer quando, na forma de uma montanha, perfura o solo terroso e se ergue nas alturas. Note que Jesus sempre se manteve totalmente homem e totalmente Deus, mas agora, o total de Deus, na forma imanente, se revela, emerge, e o faz vencer a morte, sendo Ele o Logus. O corpo do Logus, portanto, se regenera como sendo o do "primogênito da morte", o primeiro que voltou do Ades e que, vencendo a morte, se vê totalmente regenerado e fortalecido, feito de outra substância biológica, a nova biologia inserida por Cristo, o "recapitulador", na Criação, essa que não padece, que não se fere e decai com o tempo. É o eterno dentro do tempo. Totalmente homem e totalmente Deus, Cristo abre o sepulcro e, em corpo humano, mas regenerado, fica quarenta dias com Seus discípulos, partilhando afeto, ensinando e comendo ao seu lado, e então, totalmente Deus enquanto humano, ascende aos céus, onde, na imanente presença de Deus, à direita de Seu trono, esperará para o Grande Dia, quando voltará como totalmente homem e Deus, para nos fazer subir assim como Ele subiu e nos dar novo corpo, assim como Ele já possui.
Eu sei que minha visão da situação pode ter ficado lacunosa, mas nessa questão é dificílimo achar uma resposta adequada e que fuja da heresia. Não fazer como já foi feito, dividindo O Filho em dois corpos, um divino, transcendente, e outro humano; separando Cristo como metade divino e metade humano; tornando-o um híbrido, com divindade e humanidade misturados, de forma a criar alguém meio deus, meio homem... Espero não ter caído em nenhum desses erros. Mas, no final das contas, o que importa é ter esse Cristo como Senhor e Salvador! Mas, além disso: como exemplo de vida, de fé, de ousadia!!
Eis a beleza da fé cristã: se ela já estivesse totalmente explicada e pronta, teria perdido o fôlego e a vitalidade com o tempo, pois são as aparentes lacunas que promovem os debates, as pesquisas, as sagas atrás de respostas, de explicações, de razão. Sim, Deus inspirou a Bíblia dessa forma, creio eu, também para nos estimular a chegar ao máximo possível dentro de nossa constituição humana no que se refere à intelecto: devemos, sim, nos esforçar, como seres curiosos, para encontrar as respostas, sejam elas essenciais ou não. É aquela velha frase que disse outrora: se você pedir uma espiga de milho pra Deus, Ele te dará... mas você terá que subir uma montanha para pegá-la, pois o processo da busca te fará crescer e fortalecer talvez mais do que o consumo do alimento. Comer por comer não fortalece, apenas engorda, mas exercitar-se enquanto isso, sim. A Bíblia é parte desse aspecto desafiador de Deus: Ele quer que corramos atrás de algumas coisas. O processo de procura e dúvida também faz fortalecer a fé, confinado mesmo na incerteza - e nos faz mais humildes. A verdade é que aparentes paradoxos como esses, da Cristologia, são essenciais para a vida da Igreja, pois assim ela está há 2000 anos exercitando-se!!
Natanael Castoldi
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário